Calendário 2019

Calendário 2019
Calendário 2019

Vou por onde a arte me levar.

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Minha apresentação de slides

Escravidão - parte 3, final




Uma escrava costureira, libertada em 1728, aceitou continuar servindo de graça a sua senhora.  E o mulato Isidoro Baptista teve a liberdade prometida para " uma hora antes da morte " de seu senhor.  Na década de 1880, sentindo o fim da escravidão, muitos senhores emitiram dezenas de alforrias de uma só vez, sob a condição de que os escravos trabalhassem mais sete anos.   Nas cidades, ficava difícil, mas possível, comprar a alforria.  Nas fazendas de café ou nos canaviais, contudo, era mais raro.  Os engenhos de açúcar impunham uma rotina brutal.  Durante a safra, eles funcionavam por até 20 horas por dia, com 80 a 100 pessoas na lida, a maioria homens africanos.  Entre plantar, limpar, colher e transportar, as funções eram distribuídas de modo que cada escravo cumprisse uma parte, mas só o engenho fizesse açúcar.  Isso mesmo, no Brasil Colônia já havia uma espécie de " fordismo " tropical.  Surgem cargos como mestre de açúcar e caldeireiro, que podiam ganhar recompensas e até salários.  Escravos mulatos ou nascidos no Brasil, conhecidos como crioulos, eram favorecidos na disputa desses postos, em relação aos africanos, vindos, principalmente, da Costa da Mina, noroeste do continente, e região de Angola.  " A mão de obra escrava foi a força motriz dos principais ciclos econômicos do país ", afirma Gustavo Acioli, doutor em História Econômica pela USP.   Em 1700, um negro adulto (de 14 a 45 anos) custava cerca de 100 mil réis.   Mas o valor variou conforme a demanda nos vários setores, em especial o açúcar, algodão e café.  Segundo afirma Stuart Schwartz, historiador da Universidade de Yale, no livro Escravos, Roceiros e Rebeldes ", o que os agricultores ofereciam como incentivos, para alcançar seus objetivos, podia ser interpretado pelos escravos como uma oportunidade que talvez lhes melhorasse a vida. "  Os escravos do açúcar tinham possibilidades mínimas de conquistar algum benefício, mas se agarravam a essas chances, submetidos à péssima condição que limitava sua expectativa de vida, no fim do século 18, a 23 anos, em média.   As punições incluíam o chicote, as máscaras de flandres, o tronco, entre outras, mas eram raras, porque afetavam o rendimento do escravo e, de quebra, o do engenho.  A situação dos escravos não era a mesma em todo o país.   No século 18, os homens trazidos para procurar fortunas de ouro e diamantes no leito dos rios de Minas Gerais levavam uma vida bem diferente daquela dos engenhos de cana.  Uma mina empregava no máximo 30 escravos.  Curvado, com os pés na água, o negro procurava as sonhadas pedras por horas a fio, parando somente para comer e fumar.  Mas, se vivia mais isolado, o mineiro tinha mais mobilidade.  " A mineração, mais que outros setores econômicos, propiciou aos escravos maior acesso à alforria e alguma mobilidade social graças à possibilidade de reunir um pecúlio ", escrevem os autores de Trabalho Compulsório e Trabalho Livre na História do Brasil.  Uma única pepita podia comprar a liberdade.   Isso estimulou outra característica peculiar da escravidão brasileira - a existência dos senhores negros, libertos que conseguiam acumular patrimônio e ter seus próprios escravos.  Embora fosse a minoria da minoria (no Rio ou em Salvador, as alforrias não passavam de 2% da população), isso acontecia, especialmente nos centros urbanos e nas minas.  Em 1888, o Brasil se tornou o último país do Ocidente a abolir a escravidão.  E os ex-escravos tiveram de se virar para serem absorvidos pela sociedade e sobreviverem.  Dependendo da área em que atuavam - nas minas, na lavoura, nos ofícios urbanos - foram integrados de forma diferente ao mercado.  Alguns trabalhadores da cidade tiveram a grande vantagem de dominar um ofício e, em alguns casos, contar com uma clientela.  No campo ou na capital, surgiram os contratos que repetiam o clientelismo, o compadrio, quando não a própria violência física.  " O caso exemplar é das escravas domésticas, que mantiveram suas relações com as patroas ", afirma a historiadora Ynaê Santos, pesquisadora da escravidão urbana.  Finalmente, muito dessa história se perdeu.  Então ministro da Fazenda, Rui Barbosa mandou queimar, em 14 de dezembro de 1890, os registros de posse e movimentação patrimonial envolvendo todos os escravos, o que foi feito ao longo de sua gestão e de seu sucessor.  A razão alegada para o gesto teria sido apagar " a mancha " da escravidão do passado nacional.   Mas especialistas afirmam que Rui Barbosa quis, com a medida, inviabilizar o cálculo de eventuais indenizações que vinham sendo pleiteadas pelos antigos proprietários de escravos.  Apenas 11 dias depois da Abolição, um projeto de lei foi encaminhado à Câmara, propondo ressarcir senhores dos prejuízos gerados com a medida.   Mas, mesmo sem os papéis, a escravidão deixou marcas duradouras e traços para sempre visíveis na História do país.  Saiba mais na Revista Aventuras na História - para viajar no tempo e www.educarparacrescer.com.br

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Escravidão - parte 2



Esse povo marcado ia tocando a vida em frente e se misturando à cultura brasileira.  " A alforria e a miscigenação geraram uma população mestiça livre que gradualmente se tornou, já na época colonial, quase tão numerosa quanto a escrava, tendo limitações, entretanto, no exercício do sacerdócio, na tropa de primeira linha ou no preenchimento de cargos públicos ", escrevem os pesquisadores Ida Lewkowicz, Horácio Gutiérrez e Manolo Florentino no livro Trabalho Compulsório e Trabalho Livre na História do Brasil.  Segundo eles, em 1872 pardos e mulatos livres já eram maioria, ou 42% da população: 4,2 milhões, em comparação a 1,5 milhão de escravos.  Ou seja, os negros estavam em vastas áreas rurais e ocupavam as ruas das principais cidades da colônia.  No cenário posterior à Abolição, surgiram tentativas de estabelecer novas relações de trabalho para esse grande contingente.  " O fim da escravidão era uma possibilidade de recomeço ", escreveu  Ubiratan Castro de Araújo.  Ele cita o caso raro do advogado Leovigildo Filgueiras, que chegou a criar uma entidade para intermediar contratos entre ex-escravos e novos patrões, a Sociedade Treze de Maio.  Mas em vão: " Nem mesmo essa tentativa de precoce terciarização (criação de um setor terciário, de serviços) funcionou.  Continuaram os favores, as obrigações e as clientelas. "  Outra experiência foi a Guarda Negra - segundo o historiador, um movimento político de apoio à princesa Isabel e ao Terceiro Reinado, que pretendia arregimentar simpatia popular e abrir frentes de trabalho onde antes só havia brancos.   " Assistimos então pelos jornais baianos ao debate entre negros da Guarda e negros republicanos, que identificavam a monarquia com a escravidão.  Uma vez vitoriosa a República em 1889, a Guarda Negra foi suprimida e os seus líderes mais ativos banidos para a Amazônia, como foi o caso do baiano Manuel Benício dos Santos, conhecido como Macaco Beleza."  A sociedade branca não queria perder seus privilégios.  E tratou de reforçar todos os comportamentos que distanciassem  os negros na hierarquia social e na divisão do trabalho.  Salvador, a terceira cidade com o maior número de negros no Brasil no século 19 (a primeira era o Rio), exemplificou a recusa: " Após 1888, a sociedade baiana tornar-se um corpo assentado, fechado.  Suas camadas superiores assumem uma consciência, aguda como nunca antes, de tudo do que pode separar o homem branco do preto ou do mestiço.  A cor da pele, antes 'esquecida', tornar-se, entre ricos e pobres, uma fronteira nítida.  O branco da terra que não teve sucesso  econômico passa a ser um negro.  Nas relações humanas fortalecem-se todas as regras da humildade, da obediência e da fidelidade dos séculos de escravidão ", afirma Kátia Mattoso.  No caso dos negros dispensados em Itaparica, por exemplo, a pesquisadora diz que " muitos atravessam a baía, refugiam-se na grande cidade, acrescentam-se a uma população marginal que tem todas as dificuldades do mundo para arranjar trabalho. "   O Brasil foi o país de maior e mais longa escravidão urbana.  Nas cidades, o escravo tinha mais independência do que no campo.  " Ele circulava nas ruas, estabelecia vínculos com homens livres humildes ", escreveu Kátia.  Havia mais chances de encontrar membros da mesma etnia, em festas e confrarias religiosas realizadas em praça pública, e a presença do senhor era menos opressiva.  Os escravos, mestiços, forros, libertos, circulavam fornecendo serviços, e podiam ser alugados.  Os acordos com os senhores também eram flexíveis: havia escravos que recebiam somente comida e roupa, outros, " escravos de ganho ", repassavam ao senhor uma porcentagem dos pagamentos feitos pelos seus clientes.  Eles vendiam doces, refrescos, frutas, aves e ovos, roupas, chaleiras, velas, estatuetas de santos, poções de amor.  Ou atuavam nos demais ofícios, como barbeiros, ferreiros, quitandeiros, parteiras, doceiras, mascates, lixeiros, carregadores.  Transportavam tudo nos ombros e nos braços, até pessoas - brancos brasileiros e estrangeiros acomodados em cadeirinhas almofadadas.  O dinheiro acumulado na prestação desses serviços podia um dia comprar a carta de alforria.  Sabendo disso, os senhores renovavam as exigências na negociação.  

Escravidão - Parte 1


Povo marcado - Os anos seguintes à Lei Áurea não foram nada fáceis para os ex-escravos.  Libertos, sem rumo e sem teto, os negros espalhados pelas cidades e fazendas brasileiras não receberam um tostão pelos 350 anos de trabalho forçado. Por Felipe van Deursen -    Vestida em rendas valencianas e sedas peroladas, a princesa regente procurava passagem no meio da multidão de 10 mil pessoas, na tentativa de chegar ao balcão do Paço, no Rio de Janeiro.   Sob uma chuva de flores atiradas por senhoras, conseguiu subir à sacada.  Eram 15 para as 3 da tarde quando entrou na sala do trono e assinou a Lei 3 353 com uma pena de ouro.   Do lado de fora, ao saber que a princesa Isabel havia sancionado a Lei áurea e posto fim à escravidão, o povo explodiu em gritos, vivas, salves.  Festa parecida com a que a ilha de Itaparica , na Bahia: por três dias e três noites, tambores e batuques ecoaram pelas copas das mangueiras.   Mas os relatos de uma velha escrava da ilha contam que, acabada a comemoração, o senhor do engenho reuniu todos os escravos e os mandou embora, um a um.  Os negros partiram dali sem terra, sem comida, sem dinheiro, sem sapatos, vestidos em roupas velhas de algodão grosso.  Naquela dispersão miserável começa a liberdade.  De acordo com os termos da Abolição ( de 13 de maio de 1888), a lei oficializou o princípio  jurídico da igualdade.  " Muitos foram os que saíram dos engenhos e fazendas para buscarem a liberdade na pesca e na mariscagem, outros para seguirem Antônio Conselheiro.   Houve os que se embrenharem nas matas para constituírem os novos quilombos.  Para todos esses rurais, o preço da liberdade era miséria.  Para a grande maioria, no entanto, a impossibilidade de acesso à terra tolhia os sonhos de liberdade ", escreveu o historiador Ubiratan Castro de Araújo, no artigo " Reparação Moral, Responsabilidade Pública e Direito à Igualdade do Cidadão Negro no Brasil ".   O regime escravocrata já estava enfraquecido desde o início do século 19, e a lei significou, na prática, o fim do sistema mercantil que vigorou no país desde a chegada do primeiro navio negreiro, em 1531.  Dos cerca de 10 milhões de negros capturados em diversas regiões da África para serem vendidos como escravos destinados às Américas, aproximadamente 4 milhões desembarcaram na costa brasileira.  Nagôs, jejes, angolas e benguelas foram algumas das principais etnias obrigadas a viver por aqui.   Representam muito do que somos hoje: uma nação que conviveu com três séculos e meio de escravidão e apenas 121 anos de trabalho livre.   A escravidão não é invenção dos portugueses e já existia na África.   Mas o tráfico mercantil, liderado por Portugal e depois pelo Brasil, espalhou a prática em escala sem precedentes no oceano Atlântico.  " Perversidade intrínseca: escravos eram adquiridos pelos traficantes em troca de mercadorias produzidas pela força de trabalho escrava ", escreveu o historiador Jaime Pinsky em A Escravidão no Brasil.  Eram embarcados entre 200 e 600 negros na África, a cada viagem.   Vinham amarrados por correntes e separados por sexo.   Sofriam, além do desconforto físico, falta de água e doenças.   No século 19, dos que vinham de Angola, 10% morriam na travessia, que demorava de 35 a 50 dias.   Assim que chegavam ao Brasil, eles eram postos em quarentena , a fim de evitar mais perdas por doenças.  E, para causarem boa impressão, submetidos à engorda e besuntados em óleo de palma, que escondia feridas e dava vigor à pele.  Faziam exercícios para combater a atrofia muscular e a artrose.  Depois, seguiam para os mercados de negros da cidade, como o Valongo, na Gamboa, região central de Rio de Janeiro.   De cabelos raspados, velhos, jovens, mulheres e crianças eram avaliados pela clientela, que apalpava dentes, membros e troncos.   Um viajante alemão, em viagem à Bahia no século 19, descreveu: "Assim, pelados, sentados, curiosos, os transeuntes, pouco se diferenciavam, aparentemente , dos macacos."   A existência do mercado chegou a se tornar problema de saúde pública, porque os mercadores atiravam cadáveres de africanos em um terreno próximo.  Um Juiz do distrito, em 1815, ordenou aterrar a área e proibiu a prática: " Mande notificar a todos os negociantes que recolherem pretos no Valongo para que nunca mais se atrevam a lançar para ali cadáveres. "   Hoje, resta quase nada desses mercados.  " A urbanização, apoiada pela consciência culposa, destruiu esses vestígios ", afirma a historiadora Katia de Queirós Mattoso no livro Ser Escravo no Brasil.  O mesmo ofício que proibiu covas rasas no pântano do Valongo impôs, como penalidade, multa de 30 mil réis aos armazéns responsáveis, identificados pelas marcas feitas a ferro quente na pele dos escravos.  Segundo documentos do Arquivo Nacional, os negros ganhavam, ainda na África, as iniciais do traficante ; e, ao chegarem aqui, as letras de seus proprietários.   A cada vez que fossem vendidos, seriam novamente marcados.  Dom Manuel, rei de Portugal, foi um dos primeiros a adotar essa prática dolorosa, no início do século 16, com os escravos da coroa.   Também era comum gravar uma cruz no peito dos que eram batizados.  E, em 1741, o governador da capitania do Rio, Gomes Freire de Andrade, determinou que os negros fugitivos, uma vez pegos, fossem marcados com um F e obrigados a usar um cordão de estacas.   De modo que, se escapassem uma segunda vez, teriam como castigo adicional uma orelha cortada.  As marcas e mutilações só seriam extintas como Código Criminal do Império, em 1842.

Arte erótica de Jana Brike




Jana Brike nasceu em 1980, Letônia no norte da Europa, sonhadora e muito solitária.  Gênero: realismo russo, se inspirou nos mestres da animação soviética, imagens dos cartões postais religiosos.  Em 1995, começou a experimentar seu próprio caminho, criando imagens assombrosos, mundo de sonhos, descrevendo a poesia com simbolismo de magia do cotidiano irreal e bizarro em que Jana vivia ou até em que  nós mesmos vivemos né.   As obras de Jana Brike são básicas, chegam a ser minimalistas.   Eu particularmente não acho que a arte tem que ser só bela, há muitas funcionalidades na arte, de infinitas expressões, seja 'belo' ou 'feio', a arte pode nos deslocar para lugares que muitas vezes nem sempre são agradáveis, pode nos chocar, ou tirar o fôlego e mesmo que não gosta tem que respeitar.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Parte 3 - Aleijadinho, o profeta da alma brasileira.final



Na imagem que fica acima da porta principal, entre as duas torres da capela, Aleijadinho gravou um alto-relevo que representa São Francisco de Assis, ajoelhado, tendo a visão de Monte Alverne.   O episódio ocorreu em 1224, na Toscana, Itália.   Durante uma estadia no eremitério de Monte Alverne, Francisco de Assis vê um anjo de seis asas que paira acima dele pregado numa cruz.   Duas asas elevam-se  sobre a cabeça do anjo, simbolizando intenção pura e ação correta.  Duas outras asas servem para voar, e mais duas cobrem seu corpo.  Diante dessa visão, Francisco de Assis é tomado de alegria e tristeza ao mesmo tempo.   Ao erguer-se dali, o pobre santo sente no corpo as marcas dos quatro pregos da cruz.   São as chagas do Cristo e o anúncio da Paixão de Francisco, que concluiria com sua morte dois anos depois.   Será possível que Aleijadinho, cujo corpo no final da sua participação nessa obra já começava a se despedaçar, tivesse um sentimento de identidade ou de antecipação em relação aos sofrimentos de São Francisco (pergunta).  Parece possível.  A visão de Monte Alverne é seguramente uma das obras mais importantes de Aleijadinho.   Também é certo que o sofrimento pessoal e as obras artísticas desse brasileiro têm um grande significado místico.  Um aspecto dominante da obra de Aleijadinho e sua equipe  está nas esculturas de 12 profetas, construídas em pedra-sabão em 1800 e 1805, no pátio frontal da Igreja de Bom Jesus de Congonhas do Campo.  São quatro profetas maiores - Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel - e oito profetas menores.   Todos eles anunciam a vitória da fraternidade universal proposta pela tradição cristã.   Aleijadinho não fez fortuna.  Esse profeta da alma brasileira era descuidado na administração do dinheiro e foi roubado muitas vezes.   Além disso, dividia seus ganhos pela metade com o escravo Maurício e dava muita esmola aos pobres.   No fim da vida libertou seus escravos.   Em 1812, o artista ficou quase totalmente cego.   Então foi viver na casa da sua nora Joana Francisca, que cuidou dele com devoção.  O final chegou aos 76 anos de idade, dia 18 de novembro de 1814.   Notas: Veja Ideias Filosóficas no Barroco Mineiro, Joel Neves, Ed. Itatiaia, BH, 1986, p. 31.   Romanceiro do Aleijadinho, Stella Leonardos, Ed. Itatiaia, BH, 1984.   Aleijadinho de Vila Rica, Waldemar de Almeida Barbosa, Ed. Itatiaia, BH, 1984, 95 pp. em tamanho ofício, pp. 32 e 33.    São Francisco de Assis, Escritos e Biografias, Ed. Vozes, RJ, 1991, ver p. 246.   Sobre as asas ligadas à cabeça, ver p. 263.    Durante o ciclo do ouro, Minas Gerais tornou-se um foco de sentimento de brasilidade.   Várias décadas antes do grito do Ipiranga, a independência do nosso país foi proclamada no plano abstrato do ideais.  Em Ouro Preto veio à luz o sonho ainda hoje incompleto de que o Brasil seja plenamente independente, próspero e guiado por um sentimento de justiça para com todos.  No século 18 não havia separação entre arte, indústria e artesanato.  O conceito de beleza estava ligado ao que é útil e funcional no cotidiano, e quase todo artista era, ao mesmo tempo, um artesão  e um operário.   No plano político, é verdade que o barroco europeu foi absolutista.   Em uma arte centralizadora, que fortalecia o poder dos papas e das monarquias e negava a influência  do Renascimento.  Mas  na colônia brasileira a realidade foi diferente.  O barroco das Minas Gerais tem um sabor criativo, renovador, inquietante - quase revolucionário  por seu compromisso com a terra dos brasileiros.

Parte 2 - Aleijadinho, o profeta da alma brasileira.



Um dia, Antônio Francisco começou a perder os dedos dos pés.   Depois de algum tempo, só podia andar de joelhos.  Os dedos das mãos atrofiavam-se e curvavam-se, em alguns casos caíam.   Restavam os polegares e os índices.   Conta-se que a angústia e o desespero do artista fizeram com que ele próprio cortasse pedaços de suas mãos, usando para isso o formão com que trabalhava.  Há diferentes teorias sobre a natureza da sua doença.   Seria a zamparina, que causava deformidades e paralisia (pergunta).  Ou era uma doença semelhante ao escorbuto (pergunta).   Seria uma consequência de excessos amorosos, como asseguravam as comadres (pergunta).  Com o agravamento da doença, as pálpebras dos olhos inflamaram-se e sua parte inferior ficava visível.   O biógrafo Rodrigo Bretas conta que Aleijadinho perdeu quase todos os dentes.   A boca entortou-se do modo como ocorre às vezes com os deficientes mentais.   O queixo e o lábio inferiores ficaram caídos.   O olhar do artista adquiriu uma expressão de ferocidade, que chegava a assustar quem o encarasse subitamente.   Essa circunstância  e a boca torta davam-lhe um aspecto medonho.   A impressão causada por sua fisionomia tornava Antônio Francisco agressivo com as pessoas.   Com os sentimentos feridos, ele ficava irritado até quando ouvia elogios: enxergava ironia oculta nas palavras amáveis de gente desconhecida.  Embora fosse alegre e bem humorado entre os amigos, ele não tolerava a curiosidade do povo.  Para evitar o constrangimento, trabalhava oculto.  Mesmo que estivesse entre as quatro paredes de uma igreja, isolava-se do resto do salão por meio de lonas.   Conta-se que certa vez um general - provavelmente Luís da Cunha Menezes decidiu observar de perto enquanto ele trabalhava em pedra.   Aleijadinho não pôde afastar diretamente o visitante ilustre, mas fez cair tantas lascas de granito sobre o general que teve de se retirar.   Os trabalhos eram feitos em equipe; Aleijadinho possuía um escravo africano chamado Maurício, que operava como entalhador e lhe era absolutamente leal.   Além dele, dois outros escravos: Agostinho, também entalhador, e Januário, que guiava o burro em que o artista se deslocava pela cidade.   Para não ser visto pelas pessoas, Aleijadinho ia de madrugada  para o trabalho e dali só saía à noite.   A medida que o sofrimento o forçava a amadurecer, o artista se elevava até uma percepção superior das coisas.   Sua vida pessoal era uma crucificação.   A ressurreição ocorria no mundo da arte.   Entre os trabalhos famosos de Aleijadinho estão sua atuação na Igreja  de Nossa Senhora do Carmo (Ouro Preto), na Igreja de Nossa Senhora do Carmo (Sabará) e na Igreja de São Francisco de Assis (Ouro Preto).  A capela de São Francisco é considerada a melhor expressão da fase final do barroco mineiro.   Nela, Aleijadinho foi também arquiteto e dirigiu a parte principal da obra, entre 1772 e 1779.  Depois dessa data, outro mestre notável, Manuel da Costa Ataíde, fez grande parte das pinturas do interior.

Parte 1 - Aleijadinho, o profeta da alma brasileira - Por Carlos Cardoso Aveline.



A presença sutil de Aleijadinho, 190 anos depois de sua morte, ainda é perceptível em Ouro Preto.  As velhas casas, ruas e morros desse município que é patrimônio da humanidade, preservam a atmosfera do século 18 e são um poderoso centro de amor pelas coisas do Brasil.     Sob a aparência simples de belos objetos de arte, as obras do artista barroco Aleijadinho desafiam o tempo como lições de vida e expressões de sabedoria.   A vasta herança deixada por Antônio Francisco Lisboa tem muito a ensinar no século 21 porque é multidimensional.   Seu legado não está apenas nas igrejas e santuários de Minas, mas inclui também a tradição oral e os documentos históricos.   Pode ser entendido de diferentes formas, e ganha novos significados à medida  que o tempo passa e uma geração sucede à outra.  .   Escultor e arquiteto do século das luzes, Aleijadinho viveu o conflito entre o sagrado e o profano.   Ele combinou esforço e inspiração, talento e tenacidade, imaginação e teimosia - e desse modo conseguiu ser maior que seu sofrimento pessoal.  Para um artista, como para um místico, o infinito está dentro do que é finito.   A missão da arte é revelar a presença do eterno nas coisas passageiras.  Ela quer fazer com que o espírito floresça no corpo, ou que a luz surja no mundo, e Aleijadinho viveu intensamente esse combate.  Assim, ajudou a formar a essência do que há de melhor na alma brasileira.   É verdade que vários dados da sua vida são imprecisos e sua biografia está envolta em lendas.   Mas há algumas informações seguras.   Antônio Francisco foi filho natural de Manuel Francisco Lisboa, mestre carpinteiro bem conhecido em Vila Rica do Ouro Preto.   É quase certo que ele nasceu em 1738, embora seu principal biógrafo dê uma data errada para o nascimento: 1730.  Tampouco há um retrato confiável de Aleijadinho.   Por sua origem humilde, aquele genial artista mulato não podia ser membro da elite e não merecia ser retratado.   Além disso, sua fisionomia deformada era motivo suficiente para que ele próprio evitasse retratos.  O biógrafo Rodrigo Bretas conta que ele aprendeu desenho, arquitetura e escultura nas escolas práticas do seu pai e do desenhista João Gomes Batista.   Com cerca de 40 anos, Antônio teve um filho a quem deu o nome de Manuel Francisco Lisboa, em homenagem a seu pai.   Sabe-se que até essa época o artista tinha uma vida cômoda e boa saúde.   Gostava de bailes, danças e comida farta.  Mas Antônio Francisco vivia uma encruzilhada:  como optar entre a beleza sagrada e a beleza mundana...As ilusões ficam mais forte quando erguemos o olhar para o mundo divino.  O dilema de Antônio, inicialmente agradável, foi descrito no Romanceiro do Aleijadinho.   Os tempos fáceis terminaram em 1777, quando o carma trouxe as moléstias físicas.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Clarice Lispector


...E na minha noite sinto o mal que me domina.  O que se chama de bela paisagem não me causa senão cansaço.  Gosto é das paisagens de terra esturricada e seca, com árvores contorcidas e montanhas feitas de rocha e com uma luz alvar e suspensa.  Ali, sim, é que a beleza recôndita  está.   Sei que também não gostas de arte.   Nasci dura, heroica, solitária e em pé.  E encontrei meu contraponto na paisagem sem pitoresco e sem beleza.  A feiura é o meu estandarte de guerra.  Eu amo o feio com um amor de igual para igual.  E desafio a morte.  Eu _ eu sou a minha própria morte.  E ninguém vai mais longe.  O que há de bárbaro em mim procura o bárbaro cruel fora de mim.  Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira.   Sou uma árvore que arde com duro prazer.  Minha noite vasta passa-se no primário de uma latência.  A mão pousa na terra e escuta quente um coração a pulsar.   Vejo a grande lesma branca com seios de mulher: é ente humano (pergunta).  Queimo-a em fogueira inquisitorial.  Tenho o misticismo das trevas de um passado remoto.  E saio dessas torturas de vítima com a marca indescritível que simboliza a vida.  Cercam-me criaturas elementares, anões, gnomos, duendes e gênios.   Sacrifico animais para colher-lhes o sangue de que preciso para minhas cerimônias de sortilégio.  Na minha sanha faço a oferenda da alma no seu próprio negrume.  A missa me apavora - a mim que a executo.  E a turva mente domina a matéria.  A fera arreganha os dentes e galopam no longe do ar os cavalos dos carros alegóricos.  Na minha noite idolatro o sentido secreto do mundo.  Boca e língua.  E um cavalo solto de uma força livre.  Guardo-lhe o casco em amoroso fetichismo.  Na minha funda noite uma doçura me possui: a conivência com o mundo.  Eu amo a minha cruz, a que doloridamente carrego.  É o mínimo que posso fazer de minha vida: aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.  O estranho me toma: então abro o negro guarda-chuva e alvoroço-me numa festa de baile onde brilham estrelas.   O nervo raivoso dentro de mim e que me contorce.  Até que a noite alta vem me encontrar exangue.   Noite alta é grande e me come.   A ventania me chama.   Sigo-a e me estraçalho.  Se eu não entrar no jogo que se desdobra em vida perderei a própria vida num suicídio da minha espécie.   Protejo com o fogo meu jogo de vida.  Quando a existência de mim e do mundo ficam insustentáveis pela razão - então me solto e sigo uma verdade latente.  Será que eu reconheceria a verdade se esta se comprovasse (pergunta).   Estou me fazendo.  Eu me faço até chegar ao caroço.  ...