Esse povo marcado ia tocando a vida em frente e se misturando à cultura brasileira. " A alforria e a miscigenação geraram uma população mestiça livre que gradualmente se tornou, já na época colonial, quase tão numerosa quanto a escrava, tendo limitações, entretanto, no exercício do sacerdócio, na tropa de primeira linha ou no preenchimento de cargos públicos ", escrevem os pesquisadores Ida Lewkowicz, Horácio Gutiérrez e Manolo Florentino no livro Trabalho Compulsório e Trabalho Livre na História do Brasil. Segundo eles, em 1872 pardos e mulatos livres já eram maioria, ou 42% da população: 4,2 milhões, em comparação a 1,5 milhão de escravos. Ou seja, os negros estavam em vastas áreas rurais e ocupavam as ruas das principais cidades da colônia. No cenário posterior à Abolição, surgiram tentativas de estabelecer novas relações de trabalho para esse grande contingente. " O fim da escravidão era uma possibilidade de recomeço ", escreveu Ubiratan Castro de Araújo. Ele cita o caso raro do advogado Leovigildo Filgueiras, que chegou a criar uma entidade para intermediar contratos entre ex-escravos e novos patrões, a Sociedade Treze de Maio. Mas em vão: " Nem mesmo essa tentativa de precoce terciarização (criação de um setor terciário, de serviços) funcionou. Continuaram os favores, as obrigações e as clientelas. " Outra experiência foi a Guarda Negra - segundo o historiador, um movimento político de apoio à princesa Isabel e ao Terceiro Reinado, que pretendia arregimentar simpatia popular e abrir frentes de trabalho onde antes só havia brancos. " Assistimos então pelos jornais baianos ao debate entre negros da Guarda e negros republicanos, que identificavam a monarquia com a escravidão. Uma vez vitoriosa a República em 1889, a Guarda Negra foi suprimida e os seus líderes mais ativos banidos para a Amazônia, como foi o caso do baiano Manuel Benício dos Santos, conhecido como Macaco Beleza." A sociedade branca não queria perder seus privilégios. E tratou de reforçar todos os comportamentos que distanciassem os negros na hierarquia social e na divisão do trabalho. Salvador, a terceira cidade com o maior número de negros no Brasil no século 19 (a primeira era o Rio), exemplificou a recusa: " Após 1888, a sociedade baiana tornar-se um corpo assentado, fechado. Suas camadas superiores assumem uma consciência, aguda como nunca antes, de tudo do que pode separar o homem branco do preto ou do mestiço. A cor da pele, antes 'esquecida', tornar-se, entre ricos e pobres, uma fronteira nítida. O branco da terra que não teve sucesso econômico passa a ser um negro. Nas relações humanas fortalecem-se todas as regras da humildade, da obediência e da fidelidade dos séculos de escravidão ", afirma Kátia Mattoso. No caso dos negros dispensados em Itaparica, por exemplo, a pesquisadora diz que " muitos atravessam a baía, refugiam-se na grande cidade, acrescentam-se a uma população marginal que tem todas as dificuldades do mundo para arranjar trabalho. " O Brasil foi o país de maior e mais longa escravidão urbana. Nas cidades, o escravo tinha mais independência do que no campo. " Ele circulava nas ruas, estabelecia vínculos com homens livres humildes ", escreveu Kátia. Havia mais chances de encontrar membros da mesma etnia, em festas e confrarias religiosas realizadas em praça pública, e a presença do senhor era menos opressiva. Os escravos, mestiços, forros, libertos, circulavam fornecendo serviços, e podiam ser alugados. Os acordos com os senhores também eram flexíveis: havia escravos que recebiam somente comida e roupa, outros, " escravos de ganho ", repassavam ao senhor uma porcentagem dos pagamentos feitos pelos seus clientes. Eles vendiam doces, refrescos, frutas, aves e ovos, roupas, chaleiras, velas, estatuetas de santos, poções de amor. Ou atuavam nos demais ofícios, como barbeiros, ferreiros, quitandeiros, parteiras, doceiras, mascates, lixeiros, carregadores. Transportavam tudo nos ombros e nos braços, até pessoas - brancos brasileiros e estrangeiros acomodados em cadeirinhas almofadadas. O dinheiro acumulado na prestação desses serviços podia um dia comprar a carta de alforria. Sabendo disso, os senhores renovavam as exigências na negociação.
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quarta-feira, 20 de setembro de 2017
Escravidão - parte 2
Esse povo marcado ia tocando a vida em frente e se misturando à cultura brasileira. " A alforria e a miscigenação geraram uma população mestiça livre que gradualmente se tornou, já na época colonial, quase tão numerosa quanto a escrava, tendo limitações, entretanto, no exercício do sacerdócio, na tropa de primeira linha ou no preenchimento de cargos públicos ", escrevem os pesquisadores Ida Lewkowicz, Horácio Gutiérrez e Manolo Florentino no livro Trabalho Compulsório e Trabalho Livre na História do Brasil. Segundo eles, em 1872 pardos e mulatos livres já eram maioria, ou 42% da população: 4,2 milhões, em comparação a 1,5 milhão de escravos. Ou seja, os negros estavam em vastas áreas rurais e ocupavam as ruas das principais cidades da colônia. No cenário posterior à Abolição, surgiram tentativas de estabelecer novas relações de trabalho para esse grande contingente. " O fim da escravidão era uma possibilidade de recomeço ", escreveu Ubiratan Castro de Araújo. Ele cita o caso raro do advogado Leovigildo Filgueiras, que chegou a criar uma entidade para intermediar contratos entre ex-escravos e novos patrões, a Sociedade Treze de Maio. Mas em vão: " Nem mesmo essa tentativa de precoce terciarização (criação de um setor terciário, de serviços) funcionou. Continuaram os favores, as obrigações e as clientelas. " Outra experiência foi a Guarda Negra - segundo o historiador, um movimento político de apoio à princesa Isabel e ao Terceiro Reinado, que pretendia arregimentar simpatia popular e abrir frentes de trabalho onde antes só havia brancos. " Assistimos então pelos jornais baianos ao debate entre negros da Guarda e negros republicanos, que identificavam a monarquia com a escravidão. Uma vez vitoriosa a República em 1889, a Guarda Negra foi suprimida e os seus líderes mais ativos banidos para a Amazônia, como foi o caso do baiano Manuel Benício dos Santos, conhecido como Macaco Beleza." A sociedade branca não queria perder seus privilégios. E tratou de reforçar todos os comportamentos que distanciassem os negros na hierarquia social e na divisão do trabalho. Salvador, a terceira cidade com o maior número de negros no Brasil no século 19 (a primeira era o Rio), exemplificou a recusa: " Após 1888, a sociedade baiana tornar-se um corpo assentado, fechado. Suas camadas superiores assumem uma consciência, aguda como nunca antes, de tudo do que pode separar o homem branco do preto ou do mestiço. A cor da pele, antes 'esquecida', tornar-se, entre ricos e pobres, uma fronteira nítida. O branco da terra que não teve sucesso econômico passa a ser um negro. Nas relações humanas fortalecem-se todas as regras da humildade, da obediência e da fidelidade dos séculos de escravidão ", afirma Kátia Mattoso. No caso dos negros dispensados em Itaparica, por exemplo, a pesquisadora diz que " muitos atravessam a baía, refugiam-se na grande cidade, acrescentam-se a uma população marginal que tem todas as dificuldades do mundo para arranjar trabalho. " O Brasil foi o país de maior e mais longa escravidão urbana. Nas cidades, o escravo tinha mais independência do que no campo. " Ele circulava nas ruas, estabelecia vínculos com homens livres humildes ", escreveu Kátia. Havia mais chances de encontrar membros da mesma etnia, em festas e confrarias religiosas realizadas em praça pública, e a presença do senhor era menos opressiva. Os escravos, mestiços, forros, libertos, circulavam fornecendo serviços, e podiam ser alugados. Os acordos com os senhores também eram flexíveis: havia escravos que recebiam somente comida e roupa, outros, " escravos de ganho ", repassavam ao senhor uma porcentagem dos pagamentos feitos pelos seus clientes. Eles vendiam doces, refrescos, frutas, aves e ovos, roupas, chaleiras, velas, estatuetas de santos, poções de amor. Ou atuavam nos demais ofícios, como barbeiros, ferreiros, quitandeiros, parteiras, doceiras, mascates, lixeiros, carregadores. Transportavam tudo nos ombros e nos braços, até pessoas - brancos brasileiros e estrangeiros acomodados em cadeirinhas almofadadas. O dinheiro acumulado na prestação desses serviços podia um dia comprar a carta de alforria. Sabendo disso, os senhores renovavam as exigências na negociação.
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