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Vou por onde a arte me levar.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Clarice Lispector


...E na minha noite sinto o mal que me domina.  O que se chama de bela paisagem não me causa senão cansaço.  Gosto é das paisagens de terra esturricada e seca, com árvores contorcidas e montanhas feitas de rocha e com uma luz alvar e suspensa.  Ali, sim, é que a beleza recôndita  está.   Sei que também não gostas de arte.   Nasci dura, heroica, solitária e em pé.  E encontrei meu contraponto na paisagem sem pitoresco e sem beleza.  A feiura é o meu estandarte de guerra.  Eu amo o feio com um amor de igual para igual.  E desafio a morte.  Eu _ eu sou a minha própria morte.  E ninguém vai mais longe.  O que há de bárbaro em mim procura o bárbaro cruel fora de mim.  Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira.   Sou uma árvore que arde com duro prazer.  Minha noite vasta passa-se no primário de uma latência.  A mão pousa na terra e escuta quente um coração a pulsar.   Vejo a grande lesma branca com seios de mulher: é ente humano (pergunta).  Queimo-a em fogueira inquisitorial.  Tenho o misticismo das trevas de um passado remoto.  E saio dessas torturas de vítima com a marca indescritível que simboliza a vida.  Cercam-me criaturas elementares, anões, gnomos, duendes e gênios.   Sacrifico animais para colher-lhes o sangue de que preciso para minhas cerimônias de sortilégio.  Na minha sanha faço a oferenda da alma no seu próprio negrume.  A missa me apavora - a mim que a executo.  E a turva mente domina a matéria.  A fera arreganha os dentes e galopam no longe do ar os cavalos dos carros alegóricos.  Na minha noite idolatro o sentido secreto do mundo.  Boca e língua.  E um cavalo solto de uma força livre.  Guardo-lhe o casco em amoroso fetichismo.  Na minha funda noite uma doçura me possui: a conivência com o mundo.  Eu amo a minha cruz, a que doloridamente carrego.  É o mínimo que posso fazer de minha vida: aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.  O estranho me toma: então abro o negro guarda-chuva e alvoroço-me numa festa de baile onde brilham estrelas.   O nervo raivoso dentro de mim e que me contorce.  Até que a noite alta vem me encontrar exangue.   Noite alta é grande e me come.   A ventania me chama.   Sigo-a e me estraçalho.  Se eu não entrar no jogo que se desdobra em vida perderei a própria vida num suicídio da minha espécie.   Protejo com o fogo meu jogo de vida.  Quando a existência de mim e do mundo ficam insustentáveis pela razão - então me solto e sigo uma verdade latente.  Será que eu reconheceria a verdade se esta se comprovasse (pergunta).   Estou me fazendo.  Eu me faço até chegar ao caroço.  ...

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