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Vou por onde a arte me levar.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

" Os Subterrâneos - Jack Kerouac - Biografia - Final.

Jack Kerouac, principal escritor da geração beat, nasceu em Lowell, Massachussets, EUA, no dia 12 de março de 1922.     Trabalhou em tudo, foi ajudante de cozinha, jornalista esportivo, apanhador de algodão, vigia de incêndios florestais, limpador de convés, ajudante de mudanças, guarda- freio nas linhas férreas, aprendiz de metal laminado no Pentágono, etc.     Escreveu sua primeira novela aos onze anos e fez longos " jornais " que cobriam seu mundo esportivo: as corridas de cavalo, o jogo de baseball com cartas inventado por ele mesmo e muitos outros.    Aos 17 anos resolveu ser escritor, influenciado por Sebastian Sampas e, aos 18, decidiu ser um viajante solitário ao ler a vida de Jack London.     Escrevia tanto em casa, quanto na estrada, como vagabundo, ferroviário, exilado mexicano ou viajante pela Europa.     Seu primeiro romance formal foi The Town and the City, então descobriu a prosa " espontânea ": escreveu The Subterraneans em três noites e On the Road em três semanas.     Também escreveu poemas, México City Blues.     Sempre teve suas próprias ideias e considerou escrever e pregar a bondade universal seus deveres na Terra.     Não se dizia beat, mas um estranho e solitário católico, louco e místico...

'Howl' by Allen Ginsberg (with subtitles) - HQ

"Howl ", um poema escrito por Allen Ginsberg em 1955, o poema é considerado uma das grandes obras da geração Beat.     Mais tarde foi publicado pelo poeta Lawrence Ferlingheti da City Lights Books.     O poema foi considerado obsceno, e Ferlingheti foi preso, em 3 de outubro de 1957, o juiz decidiu que o poema não foi obsceno.    A animação é por Eric Drooker.

" Os Subterrâneos - Jack Kerouac " - Notas do tradutor - Parte 7

(1) Bop - o mesmo que bebop, o estilo moderno de jazz, surgido nos anos quarenta, caracterizado pelo virtuosismo instrumental.     O grande pioneiro do estilo foi Charlie " Bird " Parker.        (2) North Beach - bairro boêmio de São Francisco.      (3) Beat - característico dos beatniks ou hípsters, boêmios dos anos cinquenta, o mesmo que hip ( termo do qual derivou hippie, nos anos sessenta ).     (4) Casus in eventu est - (latim) " O caso ainda está por resolver. "      (5) South San Francisco - subúrbio proletário de São Francisco.       (6) Marquereaux - (francês) cafetões.      (7) Drugstore - drogaria, onde, nos Estados Unidos, são vendidos diversos tipos de artigos, além de produtos farmacêuticos.

domingo, 21 de agosto de 2016

Panô " Carranca Psicodélica ". Panôgrafia: Panô + Grafia



" Os Subterrâneos - Jack Kerouac " - Parte 6

Jack Kerouac fez com a nossa prosa imaculada algo de que ela talvez jamais venha a se recuperar.       Apaixonado pela linguagem, ele sabe usá-la.      Virtuose inato que é, sente prazer em desafiar as leis e convenções da expressão literária que truncam uma comunicação verdadeira e livre entre leitor e autor.     Como ele próprio afirmou com tanta felicidade em " The Essentials of Spontaneous Prose " - " Primeiro satisfaça a si próprio, que o leitor não terá como não receber um choque telepático e a excitação do significado por obra das mesmas leis que atuam em seu próprio cérebro humano ".      Sua integridade é tal que ele consegue , às vezes parecer estar indo contra seus próprios princípios.       ( Câncer! Ora! Que diferença faz, desde que se tenha saúde! ).      Sua cultura, que está longe de ser superficial, ele deixa aparecer como se fosse coisa irrelevante.     Isso tem importância ( pergunta ).     Nada tem importância.     Tudo é igualmente importante ou sem importância, de um ponto de vista verdadeiramente criativo.     Mas ele nunca é frio.     É quente, em brasa.     E por mais que desbunde e viaje, está sempre perto, sempre amigo, irmão de sangue, alter ego.     Ele está em toda parte, vestido de Todomundo.      Observador e observado.     " Um santo prosador, meigo e inteligente ", diz Allen Ginsberg a seu respeito.     Dizemos que o poeta, ou gênio, está sempre à frente de seu tempo.      É verdade, mas só porque ele vive tão completamente o seu tempo, " Pra frente! ", ele insiste.     " Já vimos isso tudo um bilhão de vezes antes ".     (" Avançar sempre ! ", já dizia Rimbaud. )      Mas os retrógrados não entram nessa, ( Até hoje ainda não chegaram a Isidore Ducasse ).     E aí o que eles fazem (pergunta).      Derrubam-no de seu galho, e o matam de fome, e lhe quebram os dentes a pontapés e o obrigam a engoli-los à força.     Às vezes são menos misericordiosos - fingem que ele não existe.      Em tudo que Kerouac escreve - aqueles personagens estranhos, que estão sempre em toda a parte, cujos nomes podem ser lidos de trás para a frente ou de cabeça para baixo, aqueles lindos, nostálgicos, íntimos e grandiosos panoramas da América, aquelas viagens alucinantes em carros envenenados e vagões de carga abertos - mais a linguagem que ele usa ( à la Gautier em marcha à ré ) para descrever suas " visões terreno-celestiais ", mesmo os leitores de time e Life e Seleções e quadrinhos hão de perceber a relação que há entre essas extravagâncias hipergônicas e flores perenes como o Asno de Ouro, o Satiricon e Pantagruel.      O bom poeta - no caso, o " poeta bop  espontâneo "- está sempre ligado nos idiomatismos de seu tempo - o balanço, o compasso, o ritmo metafórico disjuntivo que vem tão depressa, tão furioso, tão embolado, tão incrivelmente ainda deliciosamente louco que, quando transportado para o papel, ninguém o reconhece.      Ninguém - quer dizer, só os poetas.      " Foi ele que inventou " - é o que dizem as pessoas, insinuando que o autor está se exibindo.      O que deviam dizer era: " ele captou ".      Ele captou, ele sacou, ele colocou. ( Pega você, Nazz! " ).      Quando alguém perguntar " Onde é que ele arruma isso (pergunta), responda: " Com você! ".       Cara, ele passou a noite toda acordado ouvindo com olhos e ouvidos.     Uma noite de mil anos.     Ouviu no útero materno, ouviu no berço, ouviu na escola, ouviu no pregão da bolsa de valores da vida, onde se trocam sonhos por ouro.     E, vou te contar, ele está de saco cheio de ouvir isso.     Ele quer tocar, pra frente.      Ele quer se mandar.     Mas você deixa ( pergunta ).    Vivemos na era dos milagres.     Foram-se os dias do sossega-leão, os tarados estão na pior, os ousados trapezistas quebraram as vértebras.      Era de maravilhas, quando os cientistas, em cumplicidade com os sumos sacerdotes do Pentágono, ensinam de graça a técnica da destruição mútua, porém total.      Progresso, pois sim!     Faz disso um romance legível, se conseguir.       Mas não me vem reclamar das misturas de vida com literatura se o seu negócio é morte.     Nem vem com essa de literatura direitinha e " limpa " - sem lixo radioativo.     Que falem os poetas.     Eles são beat mas não são os donos da Bomba.     Pode crer: não tem nada limpo, nada saudável, nada promissor nessa nossa era de maravilhas - só o cantá-la.     E a última palavra provavelmente vai ser dos Kerouac da vida.              Big Sur, Califórnia               Por: Henry Miller

" Os Subterrâneos - Jack Kerouac " - Parte 5

Seu biógrafo Charles E. Jarvis acha que o fato de Os Subterrâneos ser seu relato mais fiel e confessional, e ao mesmo tempo o mais Beat, não passa de uma " monumental ironia ".     A fidelidade é relativa, como aliás em toda criação literária.    Há um depoimento de Corso ( para Jarvis ), segundo o qual Mardou não tivera tanta importância assim, ela fora mais uma transa, uma companheira eventual de cama de Jack.     O testemunho é útil para entender o processo criativo de kerouac.     Mardou é protagonista de Os Subterrâneos, não por sua importância como caso amoroso, mas como símbolo e marco de uma trajetória.     DostoievsKiano, Kerouac procurou  a santidade no submundo.     O uso recorrente das expressões " santo ", " santidade " e " celestial " no seu texto não é apenas um recurso literário, mas a expressão da sua obsessão.     Proustiano, queria recuperar o passado, transformar suas memórias em algo de mais concreto, através de textos que são uma inovação ou um exorcismo.    Leitor de Céline, sabia que era necessário mergulhar fundo no seu tempo e descrevê-lo em traços precisos.    Fascinado por Whitman e Rimbaud, queria a amplidão das viagens e aventuras.     Herdeiro da tradição de Jack London e Melville, sentia a atração pelo infinito do mar.     Por isso, foi trabalhar na marinha mercante em 43 e escreveu relatos melvillianos de viagem.     Assim como os personagens de Melville, e de Kafka, sentia-se oprimido pela burocracia e pela vida regrada, não aguentou o exército ( foi dispensado como paranoico ) nem a disciplina da universidade.      Ele queria uma outra realidade, mas, ao contrário dos seus antecessores do século dezenove, não a encontrou nas viagens.     Não havia mais paraísos idílicos a serem descobertos.    Ele buscou o outro, mas sempre acabava se defrontando com a máscara imutável do Mesmo.     Jack Kerouac revive a um dos mitos fundantes da literatura: a volta à origem, a reconquista de um tempo primordial.     Para entender melhor sua busca, bem como a constelação simbólica sobre a qual repousa sua obra, é preciso voltar à sua infância numa comunidade de " canuks ", franco-canadenses católicos radicados em Massachusetts.    Esse era seu verdadeiro mundo, que ele idealizava , buscava e tentava recuperar.     Tanto é, que dos seus romances seu preferido era Visions of Gérard, onde ele vai mais longe na evocação e na busca do que perdera.      Assim como, para muitos comentaristas, sua obra mais interessante é Dr. Sax, igualmente evocativo, mas alegórico: o desdobramento de um sonho relatado em On the Road, o combate de um mago, inspirado em William Burroughs, contra a serpente mítica do mal.     A vida de Jack transcorreu sob o signo da perda e da solidão.     Perda do seu irmão Gérard, morto aos quatro anos e, na sua obra, símbolo da inocência, paradoxalmente projetado em Neal Cassady, que, para Jack, era um santo.      Perda da sua língua natal, o francês ( ele só foi falar inglês na escola).     Nos anos 30, seu pai Leo perdeu sua gráfica e suas posses numa inundação.    Seu melhor amigo de infância, George Sampas ( irmão de sua mulher Stella ) morreu na guerra.     É como se a inundação do rio Merrimack em 1936 fosse, simbolicamente, uma correnteza levando embora seus entes queridos, sua língua natal, seus amigos e seus laços comunitários.     Sua obra é uma tentativa da nadar contra essa correnteza, contra o tempo.     Uma viagem impossível, que o consumiu e esgotou.     A correnteza acabou jogando-o na margem.    A crônica dos seus últimos anos é patética: sempre bêbado, dialogando com fantasmas, repetindo variações do mesmo monólogo.     Jean-Louis Lebris de kerouac, Jack para o mundo, não é o único derrotado em vida e vitorioso no plano da criação literária.     Essas contradições, impasses e paradoxos não são apenas um drama pessoal.     Sua obra, por mais particular que seja, é também universal, espelho de todos nós.     Em cada um dos seus leitores também está , talvez adormecido, o Beat aventureiro e o adulto que quer recuperar a infância.     A luta e a derrota contra o tempo, a contradição entre o sujeito e seu mundo: aí estão temas que não são exclusivos de Kerouac, porém o fermento da criação literária, aspectos dessa coisa contraditória que é a própria condição humana.           Por: Cláudio Willer

sábado, 20 de agosto de 2016

" Os Subterrâneos - Jack Kerouac " - Parte 4

Kerouac era uma personalidade dividida e isto se reflete na sua relação com mulheres.      Ele só conseguia dois tipos de relação.    Uma, breve, intensa e sensual, com figuras atípicas, marginalizadas e discriminadas como Mardou, Tristessa e a mexicana Terry de On the Road, outra, com alguém que fosse o prolongamento da sua mãe e da sua família, como Stella Sampas, com quem se casou em 1962 e viveu até o fim, ambos cuidando de " memere " Gabrielle, e que foi sua namorada de juventude em Lowell.      Seus dois casamentos anteriores não duraram, juntos, mais que um ano, o primeiro, de 1945, dois meses.     A mesma divisão aparece em outros aspectos da sua vida.    Ele sempre escolhia os extremos.    Ou a agitação das festas e reuniões Beat de Nova Iorque e San Francisco, as viagens frenéticas pelo país em companhia do Loquaz e acelerado Neal Cassady, ou então a reclusão e o silêncio, como no final de Dharma Bums ( 1957), relato do seu retiro como eremita por dois meses em Desolation Peak.     O tema é retomado em Desolation Angels ( 1956 ), escrito antes de Dharma , mas relatando fatos posteriores, na sequência da mesma peregrinação budista.     Ele era mesmo um solitário, e não é por acaso que um dos seus livros de viagem se chama Lonesome Traveler ( 1960 ), Viajante Solitário.     A fama, depois de 1957, o perturbava tremendamente.     De um lado, não se sentia ajustado à margem de arauto Beat, ao que as pessoas esperavam dele, a começar pelo fato de ele não ser mais o rapaz retratado em On the Road, cuja ação transcorrera dez anos antes ( o livro bateu um record de fila  de espera nas editoras: seis anos, do seu término até a saída ).     A vida como marginal inédito se adequava mais a ele, como escritor famoso, era obrigado a conviver com uma sociedade com o qual pouco tinha a ver.     Havia dois níveis de incompreensão que o incomodavam e confundiam.     Um, a mitificação do escritor-viajante, esquecendo que, ao mesmo tempo, ele também escrevera sua obra evocativa ( o " ciclo de Lowell " ), e mais seus poemas ( México City Blues e San Francisco blues ), além de um texto budista, The Scripture of Golden Eternity.      Outro, a crítica contra a sua obra: como On the Road teve uma acolhida triunfante e tornou-se best-seller, os resenhistas e críticos sentiram-se na obrigação de abordar com especial rigor suas obras seguintes, apontando seus defeitos, mostrando como eram inferiores, mais fraca que as primeiras.     Ou seja, ele estava entre dois fogos: o da criação de um mito,  Kerouac, por alguns , e a tentativa de destruição desse mito, por outros.      Seu último livro da fase da estrada, Big Sur ( 1961 ), é o relato dessa crise.    Mais uma vez ele tenta isolar-se, na casa de praia  de Lawrence Ferlinghetti.     Ao chegar lá, a solidão o incomoda, tem um ataque de delirium tremens, alucinações nas quais combate demônios e o livro termina com a visão de uma cruz aparecendo no oceano, sua reconciliação com o catolicismo.    Mas a crise já vinha de antes.     Sua ida a Tânger e a Europa em 1957 ( relatada em Desolation Angels ) só lhe provoca tédio e sensações de vazio.     Em Dharma Bums, ele tenta mudar o estilo, passando a usar frases curtas, com mais ênfase no relato dos acontecimentos e menos no seu fluxo de consciência ( por isso Dharma é o livro preferido de muitos, é sua obra mais " fácil ", linear e discursiva ).     Suas viagens depois de 56 são uma busca cada vez mais errática, cujos objetivos vão se distanciando.

" Os Subterrâneos - Jack Kerouac " - Parte 3

Temos aqui verdadeiros jorros de linguagem, blocos compactos de texto misturando relato, evocação e reflexão, indo e voltando no tempo dentro dos mesmos longos parágrafos.     Valendo o paralelo com o jazz, este é um livro com uma batida acelerada e muito " swing ".      E um exemplo bem-sucedido do que ele queria fazer: levar para o papel o próprio fluxo de consciência, a sucessão das imagens e ideias.     E, principalmente, curtir o som e o ritmo das palavras, o valor fonético e prosódico da linguagem falada.     Ele procurou criar uma literatura orgânica e animada, um texto sobre a vida que fosse vivo e pulsante.     Ginsberg tem razão ao falar em " ioga da palavra ", referindo-se à fruição das palavras como ritmo e sonoridade, desligada dos seus sentidos.     E também está certo ao mostrar como Kerouac trazia sua " pessoa " para o texto, integralmente.      Não só a mente pensante, a consciência reflexiva, mas a pessoa como totalidade, suas paixões, emoções, nervos e carne.      Kerouac tinha tinha plena consciência disso.      No começo do livro, ao falar da sua " egomania "como dificuldade para narrar ( em uma narrativa escrita em três noites...), ele está ironizando a noção de uma literatura " impessoal ", derivada de Eliot e dominante entre os formalistas da época.     Sua contribuição foi decisiva para recuperar o sujeito, a fala do narrador e a primeira pessoa na criação literária, com reflexos inclusive no jornalismo participante, praticado a partir dos anos 60 e criado por Tom Wolfe.      Por recolocar o sujeito na sua integridade, Os Subterrâneos é um livro que tematiza o amor e no qual está bem presente o erotismo.      É coerente a inclusão nele de uma homenagem a Wilhelm Reich e sua teoria do orgasmo, na época ainda propostas muito avançadas.      Junto com Tristessa ( escrito em 1955 a 1956 ) e Visions of Cody ( de 1951 ), é um dos seus livros mais ousados como tema.     Tristessa é a história do caso amoroso com uma moça mexicana, traficante de drogas, o contato com seu amigo Bill Garver em Cidade do México.     Visions of Cody tem, como núcleo da narrativa, a relação a três envolvendo Neal Cassady e sua mulher.     Em Os Subterrâneos, o caso é com Mardou fox, negra, drogada e pirada, ex-internada e sob tratamento, desorganizada e caótica.    Nesses dois livros ( Os Subterrâneos e Tristessa ), ele entra fundo no tema das drogas.     Seus personagens tomam Benzedrina, puxam fumo e, como pano de fundo, comparece um drogado ilustre, William Burroughs ( Frank Carmody ) e é evocada sua mulher Joan ( Jane ), viciada em benzedrina e morta acidentalmente ( ou não ) pelo marido com um tiro na testa no México, em 1951.     As drogas atraíam Kerouac mais como tema  que como material de consumo.  Exceto eventuais fumadas ( como as deste livro e do final de On the Road ) e benzedrina como estimulante, ele preferia mesmo a bebida ( vinhos licorosos, principalmente ), que acabou por destruí-lo, transformando-o em alcoólatra  irrecuperável e provocando a hemorragia no estômago que o matou em 1969 na Flórida, aos 47 anos.

" Os Subterrâneos - Jack Kerouac " - Parte 2

A recente publicação de On the Road no Brasil suscitou a previsível polêmica sobre seu valor literário e sobre a importância de seu autor.      Chegou-se a falar em modismo e volta aos anos 50.      E até mesmo em " inútil exumação ", recentemente em um dos nossos suplementos literários.       Nada a estranhar: a polêmica o acompanhou por sua vida e continuou depois dela.      Mesmo assim, é importante assinalar que o reconhecimento da contribuição de kerouac e a atenção dada a sua obra só tem crescido após sua morte.       Hoje, nos estados Unidos e em outros lugares, Kerouac está sendo mais lido e melhor lido.       Contribui para isso a publicação da sua mais extensa e inspirada obra, Visions of Cody, postumamente, em 1972.      E também a maior atenção à sua obra evocativa, em que fala da infância e juventude: Doctor Sax, Maggie Cassidy, Visions of Gerard e Vanity of Duluoz.      Tais livros não nos revelam um " outro " Kerouac: eles apenas ampliam a compreensão da sua obra e da sua personalidade.      O destaque dado a Kerouac como " beatnik " talvez tenha algo de modismo ultrapassado, mas não o interesse pelo Kerouac escritor.       Este continua e permanecerá: tanto é, que a bibliografia a seu respeito, os estudos dedicados à sua vida e obra, têm aumentado do começo dos anos 70 até hoje.     Sua biografia por Ann Charters é de 1973, do mesmo ano, Kerouac's Town de Barry Gifford e Visions of Kerouac de Charles E. Jarvis.     E há outro Visions of Kerouc, por Martin Duberman, de 1977.      Gisnberg escreveu sobre ele em Visions of the Great Rememberer, de 1974.      De 1976 é o The Naked Angels de John Tytell, talvez o melhor livro sobre o trio constituído por Kerouac, Ginsberg e Burroughs.      De 1978, o interessantíssimo Jack's Book de Barry Gifford e lawrence Lee, um livro colagem de depoimentos a seu respeito.      E quem acompanhar a vida literária do restante do planeta saberá que também tem aumentado o número de traduções, ensaios, artigos e resenhas na França, Itália, Espanha, etc.     Estamos, portanto, em um momento perfeitamente adequado para uma boa recepção de Kerouac, como escritor e não apenas como protagonista de um enredo que tem muita coisa de folclórico e circunstancial.       E, por isso mesmo, para começar a examinar o valor e a importância deste Os Subterrâneos dentro da sua obra.      Sabe-se que o seu caso amoroso com Mardou Fox, que se transformou em triângulo envolvendo Gregory Corso ( Yuri Gligoric no livro ), tendo ainda como participantes da história Allen Ginsberg ( Adam Moorad ) e Lawrence Ferlinghetti ( Larry O'Hara ), ocorreu no ápice do período mais agitado e criativo da sua vida, de 1951 a 1955, quando, além de viajar sem parar, escreveu onze dos seus livros.      Segundo a lenda criada ao redor da rapidez de kerouac para escrever, este teria sido o mais espontâneo dos seus textos: logo depois de terminar o caso com Mardou, mandou-se para o outro extremo do país, Long Island, onde então morava " Memere ", sua idolatrada mãe, trancou-se no sótão da sua casa e escreveu 111 páginas " em três noites de lua cheia, em outubro de 1953.      Há um certo exagero nessa história da velocidade de Kerouac para escrever.      Sabe-se que On the Road não foi feito apenas em três semanas, mas sim em duas etapas, com uma boa parte refeita depois.    Mas, de qualquer forma Os Subterrâneos está em primeiro lugar na escala da rapidez.     E, talvez por isso, como obra especialmente representativa da sua " prosódia bop ", do estilo que ele criou.

" Os Subterrâneos - Jack Kerouac ", parte 1 ( Um pouco sobre )

Livro lançado aqui no Brasil em 1984, primeira e segunda edição, " Os Subterrâneos - Jack Kerouac " - Tradução: Paulo Henriques Britto - Apresentação: Claudio Willer - Prefácio: Henry Miller.     Copyright Estate of Jack Kerouac, 1958.    Copyright do prefácio: Henry Miller, 1959.    Título original: The Subterraneans, publicado por Granada Publishing Ltd., 1981.   Copyright da tradução: Editora Brasiliense S.A.              Apresentação:   Para muitos comentaristas, Os Subterrâneos é a narrativa mais tipicamente Beat de Kerouac.      Seria a melhor descrição de como era a vida daqueles marginais, poetas e poetas-marginais do começo dos anos 50, na san Francisco de 1953.     Era uma vida subterrânea mesmo, pois ainda não havia acontecido o " estouro " da Beat, sua transformação em fenômeno literário e comportamental, e dos seus escritores em personagens públicos.     Isto só ocorreria mais tarde, depois da publicação de Uivo e Outros Poemas de Ginsberg ( 1956 ) e de On the Road de Kerouac ( 1957 ).      A ação antecede, portanto, em cerca de três anos a entronização e coroação de Kerouac como " rei dos Beats ", uma honraria que ele nunca quis, conferindo-lhe uma fama que ele não pediu e um tipo de notoriedade que só contribuiu para destruí-lo psicologicamente e sufocar seu talento.      Kerouac, ele mesmo manifestou dúvidas se ele era um Beat, no período de reclusão que durou da sua crise de 1961 até a sua morte  em 1969.      Certamente ele tinha divergências de fundo, no plano da política e da moral, com Ginsberg e outros dos seus companheiros.       Além disso, sua literatura de " estrada " -  On the Road.       Os Subterrâneos, Tristessa, The Dharma Bums, Big Sur, Desolation Angels e Lonesome Traveler - corresponde a um dos aspectos da sua obra, a uma das facetas do seu enorme talento como narrador e renovador da prosódia.       Na mesma medida, sua atuação como participante da geração Beat corresponde a uma fase da sua vida e a um dos aspectos da sua complexa, múltipla e contraditória personalidade.      Ele passou pela Beat, deixando nela sua marca, como uma etapa da aventura que foi sua vida, um dos momentos da sua trajetória pessoal, talvez um dos passos da sua via-crucis.      Kerouac é, na verdade, um romântico extremado e radical, cuja vida é um percurso em busca do impossível.: a concretização dos seus ideais e de uma ética da pureza, a ressurreição de seus personagens queridos, a recuperação do tempo perdido, da infância idílica, da inocência original do ser humano e da vitória sobre a morte.        Neste percurso, ele viajou por seu país e outros lugares do mundo, viveu e atuou intensamente, para finalmente fechar-se em copas, recolher-se até morrer, isolado e incompreendido, aos 47 anos.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Artes Plásticas - Glossário - Por Wladimir Alves de Souza - Final ( não tão final, vou continuar, há muitos assuntos ainda no mundo das Artes Plásticas )

" academismo " - Doutrina estética surgida na Itália em fins do séc. XV1, que preconizava o retorno aos equilíbrios dos cânones clássicos da Antiguidade e do Renascimento, buscando uma apresentação ideal da natureza e do homem.        " alfaias " - 1. Móvel ou utensílio de uso ou adorno doméstico. 2. Enfeite, atavio, adorno, joia.  3. Paramento de igreja.        " antropologia " - Ciência natural que tem por objeto o estudo e a classificação dos caracteres físicos dos grupos humanos.   Trata também das relações sócio-culturais humanas.        " arcaz " ( arcazes ) - Grande arca com gavetas usadas em sacristias para guardar vestes e objetos sagrados.        " arqueologia " - Estudo de antiguidades, especialmente do período pré-histórico.        " bizantino " - De ou relativo a Bizâncio, cidade européia situada às margens do Bósforo...Diz-se das manifestações da civilização, da cultura e das artes que floresceram no Império Bizantino.        " cinzelado " - Lavrado ou esculpido a cinzel - cinzel: Instrumento de aço, cortante numa das extremidades e usado especialmente por escultores e gravadores.         " cornija " - Ornato que assenta sobre o friso de uma obra.   Molduras sobrepostas que formam saliências na parte superior da parede, porta, etc.       " estética " - Estudo das condições e da criação artística...estudo racional do belo...beleza física, plástica.         " etnologia " - Ramo da antropologia que estuda os chamados povos naturais.  Estudo e conhecimento, sob o aspecto cultural, das populações primitivas.         " faiança " - Louça de barro esmaltado ou vidrado.         " Iluminuras " - Arte que nos antigos manuscritos...alia a ilustração e a ornamentação, por meio de pintura a cores vivas, ouro e prata das letras inicias...ocupando parte da página reservada ao texto, estendendo-se pelas margens em barras, molduras e ramagens.  Arte criada na Idade Média.        " incrustação " - Ato ou efeito de incrustar: adornar com embutidos...

Artes Plásticas - Pintura e Gravura japonesa - Por Wladimir Alves de Souza - Parte 27

A pintura, que decorou templos e palácios, só começou a ter um sentido popular através da gravura, no século XV11.    Formou-se uma arte para o homem comum.     Na gravura os temas explorados foram os atores ( pela importância  popular no teatro ), tipos populares de homens e mulheres, representações de uma vida alegre e feliz, na cidade e no campo, e, por fim, paisagens de um alto sentido poético.     A importância da gravura japonesa é enorme, pelo seu caráter popular, permitindo ao homem pobre ter uma obra de arte em sua humilde morada, mas, também, pela influência que exerceu sobre a arte ocidental, a partir do século X1X.     Na gravura dos artistas japoneses o que importa é o ritmo e a linha.     A ausência de sombras é total, não preocupa nem o relevo nem a perspectiva , absolutamente convencionais, donde a diferença da maneira de ver européia.    A técnica é complexa , mas o resultado final é da gravura colorida, em que colaboram o autor do desenho, o gravador e o impressor.    Os maiores gravadores orientais são: Kiyonobu, morto em 1726, Harunobu, Kiyonaga, Hiroshigê e Hokusai, talvez o maior de todos.    Nas artes decorativas, fora a gravura, os pintores executaram obras notáveis, especialmente através dos biombos em papel, às vezes sobre fundo folheado a ouro, com representação de figuras e cenas da natureza.    Há mesmo biombos que representam o desembarque de portugueses no Japão, no século XV11.    É preciso lembrar que Portugal chegou até aquelas terras longínquas, levando a evangelização pelos jesuítas, entre os quais a grande figura  de São francisco Xavier ( 1506-1552 ), morto na China, mas que fez no Japão uma grande obra.     Subitamente, o Japão fecha-se a toda e qualquer influência estrangeira.    Não permite mais nenhum desembarque, sob pena de morte.    Volta-se para si mesmo, para suas tradições, num mundo fechado.     Torna-se uma fortaleza.    A chegada de uma grande esquadra americana, em 1858, chefiada pelo Almirante Perry, pôs fim a esse isolamento.    O Japão teve de abrir seus portos às nações estrangeiras, mas, tal como se deu com os chineses - nos primeiros tempos - que apenas levaram sua cultura, os japoneses em relação aos ocidentais rapidamente refizeram-se, e em pouco tempo tornaram o Japão uma das grandes nações modernas.     O velho sangue guerreiro voltava a se manifestar.     Felizmente hoje, após a segunda Grande Guerra , o Japão é uma nação progressista, pacífica e integrada na civilização contemporânea.

Artes Plásticas - O Japão - Por Wladimir Alves de Souza - Parte 26

A arte japonesa nasce diretamente da influência da china.     A partir do século V1, quando o Japão começava a sair da pré-história, os chineses trouxeram as bases religiosas e culturais que foram rapidamente assimiladas pelos japoneses.    Na arquitetura, por exemplo, os processos e técnicas são chineses.    Embora o Japão seja um país rico em pedra e relativamente pouco arborizado, a arquitetura da China, quase toda de madeira, foi imediatamente adotada, pela razão principal de ser mais resistente e flexível num país sujeito a frequentes terremotos.     É no Japão que se encontram algumas das mais antigas construções em madeira, como o templo Todai-Ji, em Nara, que foi construído em 756 da nossa era ( século V111 ).     E a casa japonesa tradicional sempre foi feita de madeira, com portas e janelas que usam em vez de vidro, um tipo especial de papel oleado.     A religião budista, adotada através da seita mística Zen, trouxe junto com elementos da filosofia chinesa clássica uma contribuição que se adaptou rapidamente ao espírito japonês, mas, sendo um povo eminentemente combativo, guerreiro e industrioso, o japonês soube encontrar sua linguagem artística própria, deixando de ser sua arte uma simples repetição da arte chinesa.     Japão é um arquipélago, constituído por inúmeras ilhas, das quais as maiores são: Kyushu, Shikoku, Honshu e Hokkaidô.      Terreno essencialmente rochoso e vulcânico, dispondo de pouca área arável, os japoneses sempre buscaram na pesca a base dos seus alimentos.     Os chineses trouxeram a cultura do arroz e do bambu, bem como o conhecimento dos metais.     Desde cedo os japoneses se revelaram notáveis escultores e arquitetos, como veremos a seguir.     Ao contrário da China, na qual as guerras e revoluções muito destruíram, no Japão praticamente tudo se conservou.     Assim é que, se quisermos aprender sobre a antiga arquitetura da China, teremos de ir ao Japão.     O próprio traçado urbanístico de Nara, antiga capital, corresponde exatamente ao traçado da capital da dinastia T'ang: Ch'ang-an.    Isto foi feito no século V111 ( perdoe-me mas o meu teclado está com problema, por isso que digito o número um no lugar do algarismo romano ) por uma missão japonesa que partiu para estudar os templos, os palácios, e trazer os modelos a serem reproduzidos no Japão.    Nara, a velha capital, ainda hoje é uma extraordinária cidade de arte, com palácios e jardins, inspirados nos modelos  desaparecidos da China Antiga, onde existia liberdade de religião, o culto da poesia e das artes.      Isso explica o refinamento japonesa e seu amor pelas formas naturais.    Ainda hoje existem em Nara as mais antigas construções em madeira existentes no mundo, como o templo Todai-ji, hoje convertido em museu, e que abriga cerca de 10.000 peças, entre armas, mobiliário, tecidos, cerâmica.     Esse templo foi construído em 765 d.C. ( século V111 ).     Os modelos chineses motivaram a arte do Japão, mas foram adaptados à sensibilidade do país.    A partir da fundação de Nara, os escultores têm a oportunidade de criar figuras religiosas, inclusive a do grande Buda de bronze, estátua gigantesca que permaneceu em Nara, um enorme templo, incendiado no século X11.     Hoje ainda existe, embora muito restaurada.     Mas é especialmente necessário estabelecer uma divisão entre idealismo e realismo.     No primeiro caso estão as figuras de Buda, geralmente sobre um pedestal feito de flores de lótus, e, também, figuras de grandes sacerdotes, em atitude de meditação.    São obras de profundo espírito religioso.     No segundo caso são as figuras de gênios semelhantes a guerreiros, que defendem a entrada dos templos ou dos palácios de todo o mal.     São terríveis figuras de guerreiros, realizadas com violência e realismo espantosos.    

Artes Plásticas - A Escultura na China Antiga - Por Wladimir Alves de Souza - Parte 25

Tanto quanto a arquitetura, a China nunca deu à escultura tanta importância quanto à pintura e a à cerâmica.      Por essa razão não temos listas de escultores.     A escultura era mais considerada como uma forma de artesanato.    Apesar disso há exemplares de alto nível artístico, feitos para serem depositados nos túmulos, e, talvez por isso, menos apreciados.     Dos períodos mais antigos, dos Han e dos T'ang até o Song, chegaram até nós peças primorosas, tanto pelo realismo com que os artistas trataram figuras humanas e animais, quanto pela alta espiritualidade da arte búdica.     Os cavalos da época T'ang, conservados nos museus europeus, americanos e no próprio museu de Pequim, atestam um poder de expressão impressionante.     As grutas de Long-men ( século V1 ) conservam relevos, nos quais a influência da Índia ainda permanece, mas cujo poder de estilização já é bem chinês.     Os chineses sempre deram alto valor aos produtos da arte industrial.    A cerâmica é tratada no capítulo relativo às artes industriais.

Artes Plásticas - A Arquitetura na China Antiga - Por Wladimir Alves de Souza - Parte 24

Essa arte não alcançou na China o nível das outras, pela circunstância de que , para o chinês, a obra do arquiteto é apenas um objeto, que serve para celebrar uma memória, um deus, ou para habitar.    Os antigos palácios eram na verdade pavilhões isolados, construídos em madeiras e tijolos, no meio de jardins maravilhosos, sem as grandes perspectivas do jardim francês de Versailles, por exemplo.    O artista visa a efeitos de intimidade e não de grandiosidade.    É justamente nos jardins, em que foram grandes mestres - a quem muito devem os japoneses - que os chineses desenvolveram uma arte requintada de recriar os aspectos da natureza.     É no jardim oriental que os paisagistas ingleses do século XV111 vão buscar sua inspiração.

domingo, 7 de agosto de 2016

Artes Plásticas - A pintura chinesa - Por Wladimir Alves de Souza - parte 23

Os antigos chineses consideravam a pintura e a caligrafia como  as suas  artes mais importantes, mas, infelizmente, embora tenham chegado até nós listas de pintores altamente considerados, muito se perdeu , pelo mau estado de conservação e pela fragmentação das peças.     Os pintores não criavam quadros, como nós os concebemos.     Suas obras eram feitas em rolos de papel ou seda e guardanapos em estojos especiais.    Assim, quase se pode dizer que a pintura era lida, à medida que se ia desenrolando a peça.    Mas, pelo pouco que chegou até nós, pode-se julgar o sentido altamente poético da pintura e o seu simbolismo.    A técnica usada é de uma tinta negra ( o nanquim ) solúvel na água, como base principal e os motivos representados são os temas da natureza: paisagens, lagos, florestas, vôo de patos selvagens, nuvens, animais fantásticos ( dragões ), e também a figura humana em todas as formas de atividade.     Sabemos que os palácios dos Han e dos T'ang eram decorados com pinturas murais, de que temos apenas notícia pelos textos.     Aliás, a propósito de textos, os chineses davam grande valor à escrita e aos numerosos caracteres empregados na obra dos grandes poetas, algumas acessíveis apenas aos eruditos e aos letrados.

Artes Plásticas - A Evolução da Arte Chinesa - Por Wladimir Alves de Souza - Parte 22

Para se ter uma noção superficial da arte chinesa é preciso acompanhar a longa história do país, através das épocas ou dinastias.     A mais antiga dinastia histórica é a dos Chang ( século XV1 a.C. ) que continua através dos Tcheu ( século X1 ao 2 a.C. ), a qual vai terminar nos chamados " Reinos Combatentes ), em que a China vai se fragmentar sob o domínio dos senhores feudais.    Ao fim desse período de desordem e confusão, um terrível tirano reunifica  a China e funda uma dinastia que deveria durar mil anos, segundo ele, mas só teve dois imperadores.     A arte desses séculos perdeu-se em grande parte.    Restam maravilhosas peças em bronze ou jade, encontradas em escavações.    E foi T'sin Che-huang-ti, o tremendo imperador, quem construiu em poucos anos a Grande Muralha, obra gigantesca de mais de 2.000 quilômetros de extensão, acompanhando a curvatura das montanhas e pontilhada por postos de guarda.    Essa obra custou a vida de milhares chineses, além de escravos e prisioneiros.    A sua função era defender o território da China contra as constantes invasões dos bandos famintos dos guerreiros bárbaros da grande estepe asiática.     A dinastia durou apenas até o filho do imperador, figura apagada e que morreu assassinado.     A brutal centralização do império sucedeu a dinastia dos Han ( 202 a.C. a 220 d.C. ), ao fim da qual recomeçaram séculos de desorganização e crises econômicas até a dinastia T'ang ( 618-906 ), que restaurou a monarquia e trouxe séculos de paz.    Essas duas dinastias fundaram capitais ( hoje desaparecidas ) e deixaram obras de arte em bronze e cerâmica de alto valor artístico.     Começa então o período Song ( 960-1126 ), em cuja época se produziram talvez as mais belas peças de cerâmica e porcelana da arte chinesa.     O império requintado  dos Song foi, contudo, empurrado para o sul, até  que os mongóis invasores reunificaram o império expulsando os Song, imperadores letrados e poetas, amantes da pintura.    Instala-se, então, a dinastia dos Yuan.    Estes preferiam nas artes os temas naturalistas e militares.    A China moderna começa com uma nova dinastia nacional, a dos Ming, que reinou entre 1368 e 1644.     Os Ming procuraram retomar a estética tradicional, mas acabaram por perder, pouco a pouco, as qualidades de originalidade do passado.     Por outro lado, foi durante essa dinastia que se iniciou o comércio com o Ocidente, o que motivou a decadência , que se vai acentuar na dinastia final,  a dos T'sing ( 1644-1912 ), de origem Mandchu.     Enquanto nada permaneceu  das épocas anteriores, em termos de arquitetura, os Ming e T'sing, embora dando mais valor à cerâmica, deixaram os únicos monumentos que nos fazem conhecer a estética das outras artes chinesas.    A primeira capital dos Ming foi Nanquim, onde está sepultado o primeiro imperador, mas já o segundo da dinastia transferiu a sede do governo para Pequim, onde até hoje se encontra o governo chinês.     No caminho de Pequim para a Grande Muralha, os Ming reservaram um imenso terreno onde plantaram um parque e localizaram seus túmulos.     A entrada é marcada por um pórtico de mármore branco e o caminho marcado por grandes figuras de animais, também de mármore ( elefantes, camelos, dragões ) e também guerreiros.     Descoberto há poucos anos, um desses túmulos revelou um tesouro em objetos preciosos: ouro, prata e pedras preciosas, bem como cofres de laca vermelha ( cor da felicidade ), onde estavam sepultados o imperador, a imperatriz e altos funcionários.

Artes Plásticas - China - Por Wladimir Alves de Souza - Parte 21

De todas as grandes civilizações ( com exceção talvez da Índia ), a chinesa é a única que perdura.    Com efeito, os antigos egípcios desapareceram , dando lugar aos árabes e à civilização do Islã.    O mesmo aconteceu com os antigos gregos  e romanos, povos hoje substituídos por uma mistura de raças e culturas.     A China é um vasto país continental, com uma costa extensíssima dando para o mar Amarelo e o mar da China, separado da Ásia continental pelo elevado planalto do Tibete, ligado a cadeias de montanhas onde se encontram as montanhas mais elevadas do mundo.     A China é, porém, aberta ao norte para as grandes planícies da estepe asiática.     Praticamente sem nenhum contato com os países do Ocidente, apenas ligada por um longo e penoso caminho através de desertos, montanhas geladas, os oásis do Turquestão, caminho esse que se chamou a " estrada da seda ", a china era considerada pelos ocidentais como um país quase mitológico.     Só no século X1V, com a relação da viagem do veneziano Marco Polo, os europeus receberam as primeiras notícias ( consideradas fantásticas e inacreditáveis ) da civilização chinesa.    Entretanto, desde a pré-história, a China iniciava o seu longo desenvolvimento cultural contínuo, embora entrecortado por graves convulsões.    É necessário levar-se em conta não só as condições históricas, como características da cultura chinesa desde a alta antiguidade.    Para nós, ocidentais, é difícil penetrar nos segredos da arte chinesa, não só pelas dificuldades quase intransponíveis da língua e da escrita, como pela natureza da sensibilidade oriental.     Foram, entretanto, essas características de língua e escrita, que permitiram à China uma unidade cultural notável, através dos séculos, embora por vezes dividida , outras vezes unificada, necessitando fazer operações militares de defesa fronteiriça, de que é exemplo a famosa Grande Muralha.    A terra da China é extremamente fértil, cortada de norte a sul pelos vales de três grandes rios: o Huang-Ho ( Rio Amarelo ), o Lang-Tseu ( Rio Azul ) e o Si-Kiang.     Recortada de canais naturais  e artificiais, a terra é cultivada à séculos, a ponto de o homem ter-se identificado com ela.    A própria religião primitiva é fundada numa harmonia superior entre a ordem cósmica e a ordem humana.    O Céu é o supremo soberano e o símbolo do universo, bem como das forças misteriosas da Natureza.    A moral dessa religião foi formulada por um filósofo: Confúcio.    Outro notável filósofo, Lao-Tseu, que fundou o Taoísmo, buscava a identificação da alma individual com o princípio universal: o Tao.     Essas duas doutrinas do V1 século a.C, altamente intelectualizadas, distinguiam o Céu ( soberano do Alto ) e o Imperador ( soberano da Terra ).     Além disso, o budismo introduziu-se por volta do século 1 de nossa era, humanizando as doutrinas e pregando o amor e a misericórdia.

Artes Plásticas - A Arte Budista até o século V d.C. - Por Wladimir Alves de Souza - Parte 20

Os primeiros movimentos da arte budista têm um caráter comemorativo, em honra a Buda, e neles a escultura domina a arquitetura.     Frequentemente, templos e santuários são esculpidos na rocha viva, sob forma de uma arquitetura em cavernas.    As primeiras representações do Buda fixaram um tipo que deveria ser seguido através dos séculos.    Vestido com uma túnica pregueada, a expressão do rosto busca uma serenidade desprendida dos bens terrestres, assim como uma vida interior intensa.    As posições da figuras são variadas, cada uma exprimindo determinado símbolo.     Entre os séculos 1V e V, na época chamada gupta, no vale do rio Ganges, foram criadas as famosas cavernas de Ajanta, ricas em pinturas e que são dos mais belos exemplos dessa arte.    Outro exemplo, em época posterior ( século V111 ), as cavernas de Elephanta.    Chega-se a esculpir enormes rochedos em forma de templo, cobertos com figuras religiosas e simbólicas, e também a abrir na rocha o famoso templo de Ellora.    Isto corresponde ao renascimento do bramanismo.     A arquitetura primitiva, feita em madeira, não chegou até nós e a de pedra, unicamente religiosa, é uma transcrição dos processos construtivos em madeira.    Os templos buscavam uma interpretação do universo.    Quanto aos templos bramânicos, têm bastante semelhança com os egípcios , pela multiplicação de colunas e torres em forma de tronco de pirâmide.    Entretanto, na Índia, os elementos esculturais recobrem quase totalmente as formas.    É na escultura que os artistas mostram seu gênio mais original.     Com efeito, ela praticamente absorve as formas da arquitetura, sob a forma de baixos e altos relevos, numa extraordinária riqueza e imaginação: deuses, dançarinas, animais misturam-se no desenvolvimento de um ritmo vital intenso.     Pouco a pouco, a escultura evolui para formas cada vez mais realistas, principalmente nas figuras femininas.     Não se pode deixar de mencionar, na representação do Buda na região Ocidental da Índia próxima ao Irã, uma arte que se denomina greco-budista, pela influência que os gregos deixaram, naquela área, durante a época de Alexandre.    O sorriso quase misterioso e a própria plástica das figuras refletem essa influência.     Principalmente no último período da arte hindu aparecem algumas pequenas pequenas figuras de bronze de extrema beleza, particularmente a figura do deus Civa, numa de suas numerosas representações, com quatro braços, dançando num círculo de chamas.    Pode-se dizer que a grande arte indiana, tanto budista como bramânica, começa a entrar em decadência a partir do século XV111, quando vai entrar numa repetição de motivos decorativos desprovidos de originalidade.

Artes Plásticas - As Artes do Extremo Oriente - Por Wladimir Alves de Souza - Parte 19

Há diferenças fundamentais entre a arte ocidental e a oriental.      Não se pode deixar de considerar as influências religiosas e a própria concepção do Universo.    Enquanto no Ocidente tudo corresponde a uma certa ordem, resultante de uma concepção do espaço e do mundo das formas ligada ao homem, no Oriente toda arte tem um fundo simbólico, derivado das forças universais.    A arte ocidental tem como ponto de partida o homem e sua representação: ora realista, no que se aproxima da aparência visual dos seres e das coisas, ora idealista, na busca de um tipo ideal, sem contudo estar desligada da realidade.     Assim, encontramos duas correntes estéticas básicas: o realismo e o idealismo.     A partir do advento da arte cristã, o artista tem como princípio de sua inspiração, além da figura de Cristo, as imagens da Virgem, dos apóstolos e de todos os santos, mas também figuras profanas: soberanos e sua corte, como figuras populares.    Os dois mil anos de cristianismo fornecem assim a maior contribuição artística da humanidade ocidental, passando das representações convencionais ou ingênuas da arte bizantina ( para a qual o gosto oriental contribui ), às imagens da arte medieval ( românica e gótica ), até a arte da primeira Renascença e do Barroco.     No oriente, ao contrário, as religiões determinaram tipos de criação variados.    Os povos do Islã, ou muçulmanos, proibidos pela sua crença de representar a figura humana e até mesmo as formas vivas, voltaram-se para as formas geométricas, que se desenvolveram na arquitetura e nas artes aplicadas: tapete, azulejo, vidros, tecidos, escultura decorativa.    Talvez haja uma exceção na Pérsia, onde a figura humana, os animais e os vegetais foram frequentemente representados, inclusive na pintura e na miniatura.    Índia: A " Índia " é uma imensa península de mais de 4.000.000 de quilômetros quadrados, separada de comunicação com a Ásia Central pela cordilheira do Himalaia.    Os seus contatos, a oeste, se fazem com o Afeganistão e o Irã através do vale do rio Indus, e com a China pelas pistas da região de Kachmir.      Os primeiros povos da Índia, os dravidianos, foram expulsos para a extremidade da península pela invasão dos arianos, entre 1500 e 800 a.C..    O livro dos Vedas, com o culto dos primeiros deuses e as bases de uma moral, trazida pelos invasores, transformou-se no bramanismo, pelo culto de uma Alma Universal, que, baseada na transmigração das almas individuais pela reencarnação, levava os homens a perfeição.    O vedismo, pela sua alta significação espiritual, era hostil à representação figurativa, mas o bramanismo, religião de diversos deuses ( politeísta ), trouxe toda uma corte de deuses, representados segundo sua filiação e características de poder.    Enquanto isso, nascia no século V1 a.C. uma outra religião profundamente espiritualista, criada pelo príncipe Siddartha, no Nepal, ao norte da Índia, e que pregava o desprendimento dos bens materiais e a busca do aperfeiçoamento moral.    Esse príncipe recebeu o nome de Buda ( o Iluminado ).    Os discípulos dessa religião reuniam-se em mosteiros, onde seguiam uma regra severa e conventual.     Mais tarde uma divisão produziu-se criando uma forma de budismo mais humanizada, na qual o Buda se transformou num deus.    Essa religião, bastante próxima do cristianismo, tornou-se uma esperança de redenção para os homens, e logo espalhou-se por toda a Ásia, inclusive na China, na Indochina e no japão, levando sua mensagem de fraternidade e amor entre os homens.

Artes Plásticas - Tapeçaria - Por Wladimir Alves de Souza - Parte 18

Embora baseada em técnica de tecelagem muito semelhante, a tapeçaria distingui-se do tapete pelo fato de que este é usado para guarnecer os pisos, em vez de a tapeçaria, pendurada, decorando as paredes.    Foram os europeus que criaram formas originais de tapeçaria, principalmente na França.    o O maior, mais antigo e mais belo conjunto que se conhece é a série do " Apocalipse ", do artista Nicolas Bataille ( 1394 ), que se encontra na França, no Museu de Angers.    Outra série célebre é da " Dama do Unicórnio " ( século XV ) que está parte no Museu de Cluny ( Paris ), parte nos Cloisters ( claustros ), em Nova Iorque.   Os grandes centros de tapeçaria foram, além da França ( Arras, Aubusson, Paris ) e em Flandres, que também receberam encomendas das cortes europeias.     Podemos citar a série  das tapeçarias imperiais, no Museu de Viena, feitas em Flandres e tecidas com ouro e prata ( século XV1 ).     E também as famosas tapeçarias de Pastrana, em Portugal.     Pouco a pouco a tapeçaria vai imitar a obra dos pintores.    O desenho era feito em papel, " cartão " colocado por trás do tear com a indicação das cores.    Rubens teve obras suas reproduzidas em tapeçaria ( século XV11 ), Lebrun desenhou cartões para Versailles e outros palácios reais de Luis X1V, já no século XV111, o século das graças e do Rococó, Boucher trabalhou muito para os tecelões franceses, bem como o grande Goya, na Espanha, que pintou os cartões para uma série de tapeçarias destinadas ao Palácio del Pardo, tecidas na Manufatura Real de Santa Isabel.    Gradativamente, a tapeçaria vai perdendo o seu grande prestígio e já no século X1X está totalmente decadente, sob o influxo do academismo.    Só no século XX é que Joan Lurçat faz reviver o processo, na base de composições modernas de grande esplendor.    É ele o renovador da tapeçaria, hoje usada pelos artistas como forma de expressão.    Lurçat esteve há alguns anos no Brasil e levou temas de nossa natureza que usou com rara felicidade.     Formou aqui um discípulo de talento: Genaro de Carvalho, na Bahia.     No Rio de Janeiro, na década de 40, a artista Madeleine Colaço introduziu uma técnica de tapetes e tapeçarias, inspirada em processos populares de Portugal: o Arraiolos: a tapeçaria em bordado sobre tela, oriunda principalmente do chamado " ponto de Arraiolos ".      Colaço criou um ponto próprio a que deu o nome de " ponto brasileiro ".      Isso estimulou numerosos artistas, utilizando uma temática abstrata ou de motivos figurativos brasileiros.    Foi executada no sentido de formas abstratas, partindo de elementos vegetais uma grande tapeçaria sobre cartão de Roberto Burle Marx, para o Palácio Itamaraty de Brasília.

Artes Plásticas - Os Têxteis - Tapetes - Por Wladimir Alves de Souza - Parte 17

A arte do tapete nasce no Oriente e caracteriza uma atividade que, na origem, era típica dos povos nômades.     Com efeito, as populações de parte da Ásia deslocaram-se constantemente com seus rebanhos de carneiros, sempre em busca de melhores pastagens.    As matérias-pimas básicas estão sempre presentes: a lã e o algodão, e, por vezes, a seda.     A técnica do tapete oriental deriva do tear manual, com dois rolos de madeira nos quais são fixadas as " lissas " ( fios de tramar ).    Nesses se amarram os nós ou pontos.    Colocados esticados sobre o tear desmontável , o tecelão pode trabalhar na vertical ( alta lissa ) ou na horizontal ( baixa lissa ).    Quando tem de mudar de sítio, enrola seu material e vai montá-lo adiante.    A geografia do tapete oriental parte da China, passando pelo Turquestão Chinês, pela Ásia Central, numa vasta área que limita com o Turquestão, o norte da Pérsia e o mar de Aral.    Daí vai para o Cáucaso, com os tipos Karabagh, Kasak, a antiga Pérsia, hoje Irã, a Turquia, especialmente Smirna.     O luxo e o esplendor dos príncipes orientais eram realçados pelos magníficos tapetes que decoravam seus palácios ou forravam suas tendas de campanha.     Os edifícios religiosos do Islã ( mesquitas ) também possuíam tapetes imensos e suntuosos.   O país e o local de fabricação dão nome aos tapetes orientais.     Os mais célebres são os persas, mas os turcos também produziram peças capitais.    Os países ocidentais importaram muitos tapetes do Oriente para suas decorações de interior.    Raras peças que chegaram até nós, pertencem ao século XV, e são conservadas preciosamente em museus.     O Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa possui alguns persas Herat do século XV1, que são obras-primas.    Outras peças célebres no Ocidente, são: o famoso tapete do Imperador da Austria, que mede quase 11 metros por mais de 5,50m, levou três anos para ser concluído, com oito tecelões trabalhando no tear.     Outros são o tapete de caçada, que está em Milão, e o " tapete representando um vaso " no Museu de Viena.     A técnica emprega os pontos mais ou menos miúdos, amarrados nos fios da lissa.     Os pontos menores valorizam a qualidade do tapete e a beleza do trabalho.     A variedade de nós e pontos é imensa, conforme a região.    Nos tapetes antigos as lãs eram tingidas com cores vegetais, muito mais ricas e brilhantes, mas neste século começou-se a usar as cores artificiais à base de anilinas, o que desvalorizou muito o tapete como peça de arte.     Por isso são preferidos os tapetes antigos.     Os motivos empregados na área do Islã são sempre geométricos, sem representação de seres vivos, mas na Pérsia essa regra não foi observada, e os persas criaram tapetes decorados com figuras humanas, animais, plantas, flores.    O tapete chinês, por sua vez, usa também formas vivas.     É mais espesso e pesado que o tapete do Oriente Próximo.     Um modelo digno de nota é o tapete de " oração ", usado cinco vezes ao dia, na hora das preces rituais do Islã.    O seu desenho representa, quase sempre, o " mihrat " ( nicho que existe na mesquita voltado na direção da cidade sagrada de Meca ).    O tapete de oração é sempre tratado com carinho religioso.     Muito valiosos são os originais executados em manufaturas desaparecidas, como os Ladik.     Mas também são valiosos os tapetes de Isfahan, Teerã, Kirman, Khorassan, todos feitos na Pérsia.    A moda do tapete penetrou de tal forma na Europa que se fundaram manufaturas na Polônia, sob influência turca, e na França, com manufaturas reais da Savonnerie e de Aubusson, no século XV11, com desenhos barrocos, brasões, cenas diversas e motivos florais.

sábado, 6 de agosto de 2016

Artes Plásticas - Portugal e Brasil - Por Wladimir Alves de Souza - Parte 16

Como os outros países europeus, Portugal sofreu as influências inglesa e francesa, mas, pelos seus contatos com o Oriente, criou um tipo de mobiliário com incrustações de madrepérola e marfim, com madeiras orientais, principalmente executado em Goa, na Índia: é o chamado estilo indo-português.    E também os estilos acompanham a moda de receber o nome dos soberanos: Dom João V, Dom José 1, Dom João V1, D. Maria 1.    As formas serão derivadas do Barroco e do Rococó, e dos ingleses Chippendale Sheraton, Hipplewithe.     Em Portugal, o rei D. João V manda instalar no convento de Mafra uma riquíssima biblioteca, toda em madeira do Brasil.     Outra biblioteca dessa época, igualmente suntuosa, é a de Coimbra.     Como não podia deixar de ser, esses móveis foram adotados também no Brasil, com modalidades locais apreciáveis.     O mobiliário religioso é rico na matéria ( o nosso jacarandá, o nosso cedro ), e na obra de talha.     As sacristias das igrejas eram mobiliadas ricamente com grandes arcazes de gavetões, para guarda de paramentos, os tronos episcopais, os oratórios, tocheiros, altares e guarnições de culto dão a medida do valor dos artesãos como demonstram a evolução das formas de acordo com as épocas.     O mobiliário civil é simples, para não dizer pobre, embora os ricos burgueses tivessem camas suntuosamente esculpidas, cadeiras, sofás, papeleiras, mesas de centro ( de influência holandesa e espanhola ou de outros estilos ) e, também, ricos oratórios.    Mas a regra é a simplicidade, a sobriedade nos catres de couro cru, nos bancos de madeira e nas mesas de refeições ou de encostar.     O mobiliário Europeu do século X1X segue diversas tendências que caminham para o " ecletismo " ( cópia e mistura dos estilos passados ).     A Revolução Industrial, que teve origem na Inglaterra, por volta de 1780, começa a modificar os conceitos de produção, banalizando os estilos nobres.    No final do século, um precursor dos tempos modernos, William Morris, funda a " Arts and Crafts " ( Confraria de Artes e Ofícios ), tentando buscar formas novas, inspiradas na natureza, e antecipando o estilo " Art Nouveau " já no século XX.    Art Nouveau ou Arte Nova gozou logo de grande voga.     A própria arquitetura deixou-se influenciar por esse movimento estético, de linhas curvas, decoração floral, formas livres, e que durou até por volta de 1925, quando se realizou em Paris a exposição de Artes Decorativas, último estertor desse estilo.    No século XX, o mobiliário do nosso tempo vai nascer dos princípios básicos da arquitetura contemporânea: simplificação das formas, supressão do ornato, uso dos materiais modernos, racionalização.      São, pois, os arquitetos que criaram as formas novas.     Entre 1926 e 1933, Walter Gropius funda na Alemanha uma escola que é , na verdade um centro criador de todas as artes: a Bauhaus.     Então jovens ainda, Gropius, Breuer, Mies van des Rohe também se dedicam ao estudo dos móveis e do equipamento da habitação.    Certas peças do mobiliário criadas naquele tempo conservam até hoje suas qualidades de conforto, sobriedade e beleza, como a cadeira " Barcelona ", criada por Mies van des Rohe ( 1929 ), as cadeiras em tubo cromado  de Breuer ( 1930-31 ), entre outras.    Mais recentemente os italianos criam também mobiliário e equipamento de belas proporções.     Um deles é Gio Ponti, produtor de móveis de série, práticos e agradáveis.     Os países nórdicos ( Suécia, Noruega, Dinamarca, Finlândia ), também se destacam nesse movimento de renovação, bem como os Estados unidos, com as obras do arquiteto Saarinen.      Os materiais modernos são largamente usados: o aço inoxidável e metais não ferrosos, como o alumínio, os materiais plásticos para estofamento, a madeira compensada e moldada, o cristal, a acrílico, entre outros.     Resta muito a descobrir, mas o nosso século já pode considerar que tem no seu mobiliário uma de suas expressões artísticas de maior significação.

Artes Plásticas - O século dezoito - Por Wladimir Alves de Souza - Parte 14

Com o fim do reinado de Luís X1V, o advento do seu bisneto Luís ( 1710-1744 ) vai introduzir profundas modificações no gosto , com o estilo " Rocaille " ou " Rococo ", derivado do Barroco, assim chamado pelas irregularidades e assimetrias, como também pelo uso de conchas estilizadas.    Durante cerca de 30 anos vão se buscar formas mais compatíveis com um mundo amável, alegre e galante.    E os franceses reunirão os melhores artistas e artesãos ( muitos estrangeiros ), criando móveis completamente novos e leves: a " marquesa " ( larga poltrona de linhas curvas e graciosas, feita para abrigar as grandes saias das fidalgas ), a " chaiselongue ", sofá de repouso, feita para a intimidade dos pequenos salões, a mesa de escrever ou " chiffonnier ", enfim, a época renuncia às grandes pompas frias e fastidiosas do Rei-Sol, para prestar uma homenagem à mulher, junto com os efeitos de intimismo..     Os marceneiros, também chamados " ebanistas ", trabalham com madeiras exóticas, vindas da América ou do Oriente: o ébano, o " acajou " ( mogno ), o " palissandre " ( jacarandá ), o " bois-de-rose " ( pau-rosa ).    É nos bronze de aplicação que acumula o refinamento , com os escultores Caffieri, Oppenord, Cressent.     As cadeirinhas de arruar em que se transportavam os nobres eram decoradas com " verniz Martin " do nome do seu descobridor.    A arca desaparece definitivamente, consagrando a cômoda, já usada no reinado anterior.     A moda do mobiliário Rococó expandiu-se por toda a Europa, dentro dos padrões do estilo Luís XV.     Entretanto, com as descobertas arqueológicas do meio do século, outra moda vai surgir, sob a influência dos padrões da Antiguidade: a das artes etrusca e romana.     É o nascimento do estilo Neoclássico.    Já não é apenas a França, mas também a Inglaterra quem assume uma posição de comando, através das obras dos " cabinet-makers " ( marceneiros dos móveis de luxo ).     E a produção dos três Chippendale ( avô, pai e filho ), extremamente variada, que vai do etrusco ao barroco, passando pelo gótico, dos irmãos adam, cultores apaixonados do Neoclássico e outros, como Sheraton, Hepplewithe.     Forma-se pois uma escola inglesa , que usa de preferência o mogno das Antilhas, como madeira favorita, mas também cria, às vezes, o móvel pintado e dourado.     Os franceses adotam o Neoclassicismo na segunda metade do século XV111, sob a influência da marquesa de Pompadour, favorita de luís XV.     De modo que se pode dizer que o estilo Luís XV1 ( neoclássico ), já aparece no fim do reinado de Luís XV.     Volta-se as linhas retas, ao equilíbrio das formas clássicas, mas sempre executadas com requinte.    O mobiliário real da França, vendido na época da Revolução, foi disperso, e grande parte está na Coleção Wallace , em Londres.    Ultimamente a França tem recuperado muitas peças, por compra ou doação de particulares.    O Neoclassicismo francês teve também seus grandes ebanistas e bronzistas, como Riesener, Leleu, Jacob, entre outros, e Gouthière, como autor de bronzes dourados aplicados aos móveis.    As influências francesa e inglesa são dominantes durante o século XV111, e os próprios italianos seguem a moda.    O período colonial americano do Norte reflete o mesmo espírito da Inglaterra.     O apogeu do Neoclassicismo vai surgir ainda na França, no fim da Revolução e no período napoleônico, já no século X1X, a partir de 1804, firmando-se decisivamente a influência da antiguidade.     Napoleão vai exigir dos artistas novas expressões de luxo e grandiosidade, e os principais inspiradores das formas são os arquitetos Percier e Fontaine.    O grande ebanista é Jacob, que usa o mogno como profusão, aliado aos bronzes de Odiot, ourives oficial, que também produziu peças de ourivesaria: serviços, candelabros e outras decoração.

Artes Plásticas - Renascimento - Por Wladimir Alves de Souza - Parte 13

Os italianos do Renascimento são criadores da " credenza " ou credência, espécie de armários baixos, bem como a cadeira dobrável em tesoura, chamada " Savonarola ", do nome famoso monge para quem foi criada.    Mesas esculpidas, grandes armários com colunas, cornijas, verdadeiras peças de arquitetura, os bancos-arca ( cassapanca ), às vezes com espaldar esculpido, tamboretes, camas monumentais, eis algumas das peças que guarneciam os palácios dos Strozzi e dos Medici, em Florença, no século XV.    Da Itália, o Renascimento vai levar as suas formas para toda a Europa.    A frança  vai importar os artistas e artesãos italianos no fim do século XV e no começo do XV1.    A " credenza " florentina vai tornar-se a " crédence " francesa, o " cabinetto " será o " cabinet " ( espécie de armário-escrivaninha ).    O mesmo se passa na Inglaterra no período da rainha Elizabeth 1, na Espanha de Felipe 2, no Império Alemão, nos Países Baixos ( Holanda e Bélgica ).    É daí que se vai originar a mesa feita em Portugal e no Brasil, mais tarde, que tomou o nome de " mesa  holandesa ".    É a partir do Renascimento ( século XV11 ) que se costuma rotular os estilos do mobiliário, como os da arquitetura.    É também no Renascimento que se começa a publicar livros  sobre os estilos de arquitetura, de decoração e mobiliário: são chamados " repertórios ".    No final do século XV1 ( perdoe-me pela falta do número um em algarismo romano, problemas no teclado ) e início do XV11 começa a despertar um novo estilo: o " Barroco ", de espírito completamente oposto ao do Renascimento.     As formas são livres e movimentadas, o mobiliário se enriquece com obra de talha dourada, representando personagens mitológicas, folhas de acanto estilizado ( planta já usada pelos gregos ), folhas de palmeira, conchas, etc.    A França assume a liderança das artes decorativas, com Luis X1V ( 1638-1715 ), o Rei-Sol, que quis celebrar sua glória construindo um castelo único no mundo: o castelo de Versailles.     Já os reis anteriores ( Francisco 1, Henrique 2, Henrique 1V, Luís X111 ) deram seus nomes aos estilos de seus reinados.    Para decorar e mobiliar Versailles, que conserva em sua arquitetura uma linha clássica o rei chama os maiores artistas do seu tempo, comandados pelo pintor Lebrun.    Muitos modelos e artistas italianos foram também utilizados, na execução de armários incrustados de pedras duras ou mosaicos.    Mas um grande criador francês, André-Charles Boulle, deu seu nome a um tipo de decoração de móveis ( mesas, armários, credências ), constituído por incrustações de tartaruga, marfim, cobre e bronzes cinzelados.     O luxo era tal que o mobiliário da famosa galeria dos espelhos era todo de prata cinzelada, em peças que posteriormente foram fundidas.

Artes Plásticas - A Idade Média " - Por Wladimir Alves de Souza - Parte 12

Na Idade Média o mobiliário civil decai de importância com a Igreja cristã triunfante depois da conversão do Imperador Constantino, o Grande, em 313.    A febre da construção das igrejas vai absorver todos os esforços para  sua decoração, riqueza e equipamento condignos.    Nos mosaicos bizantinos, a figura de Cristo triunfante, o Pantocrator ( rei do universo ), é muitas vezes representada sobre um trono.    Os tronos episcopais seguiram esses padrões, como o de Ravena ( século V1 ), em marfim esculpido, além dos que restaram do Império Romano do Oriente.    Apesar disso o imperador  de Bizâncio habitava palácios suntuosamente decorados e mobiliados, com camas lavradas e estofadas com tecidos de ouro, prata, púrpura ( tecido tinto com a cor vermelha tirada de um caramujo chamado murex ), arças esculpidas em madeiras raras, brocados, bordados, tapetes do Oriente e peças de ourivesaria, tudo fazendo parte do opulento patrimônio do imperador.     Restou relativamente pouca coisa do mobiliário do homem comum e mesmo do homem rico, na Europa Feudal, durante a Idade Média.    Muito desapareceu e foi substituído pela evolução da moda.    Entre os séculos 1X e X11 as cadeiras, camas, arcas eram trabalhadas, entalhadas, com os mesmos motivos decorativos da arquitetura.    As primeiras arcas germânicas foram feitas pelo esvaziamento de troncos, usando ferragem primitiva.    Mas é de todo esse material que vão surgir escolas de marceneiros, entalhadores e escultores.    O trono do bispo, a " cathedra" ( o que deu origem ao nome de catedral dado às igrejas episcopais ), os cadeirais dos coros, também chamados " stalas ," vão enriquecer as igrejas com suas obras cada vez mais ricas, e isso se passa a partir do século X11 até o século XV1.     O mobiliário civil, mesmo dos reis e dos grandes senhores, era mais simples.    As camas eram dotadas de dosséis, sobre colunas e cortinados, e, pouco a pouco, as formas da decoração arquitetônica vão sendo transportadas para os móveis.     Em toda a Europa medieval e principalmente na França, na Itália, na região Flandres e da Borgonha e, na Alemanha, vamos encontrando peças cada vez mais ricas.     Nesse tempo a Europa era coberta de florestas e as madeiras mais usadas foram o carvalho, a bétula, a faia, o pinho, a nogueira.     Começa pela Itália da primeira Renascença ( século XV ) o interesse pelos revestimentos de " intarsia " ( embutidos ), usando madeiras de cores diversas e compondo verdadeiros quadros, nos quais entravam também a madrepérola e o marfim.    Um exemplo maravilhoso da obra desses artistas do século XV se encontra na biblioteca do palácio ducal de Urbino, na Itália.    A pintura flamenga dos séculos XV e XV1 nos dá também uma perfeita amostra dos interiores como do mobiliário.    Os quadros de Van Eyck, Van der Weyden, Gerard David são excelentes fontes de informação.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Artes Plásticas - O Mobiliário Romano - Por Wladimir Alves de Souza - Parte 11 ( pausa )

Tal como os etruscos, seus antecessores na península itálica, os romanos tiveram na época republicana costumes severos e sóbrios.    Nada restaurou das peças de madeira, mas chegaram até nos numerosos exemplares de bronze, especialmente o material que se encontrou, no século XV111, nas escavações de Herculano e Pompéia.    O Museu de Nápoles conserva muitas dessas preciosidades.    Mas, a partir da era imperial, os costumes se corromperam, e os banquetes eram suntuosos, demorados e abundantíssimos.    Os nomes dos apreciadores da boa mesa nos são conhecidos, como por exemplo: Lucullus, os três Apicius, entre tantos.    Às vezes os banquetes reuniam apenas nove pessoas ( número igual ao das Musas, deusas das Artes ), mas também havia grandes banquetes, reunindo maior número, em leitos imensos.    Às vezes os leitos os leitos se ligavam em curva.    Eram chamados sygma.     Isso exigia enormes salões e vastas cozinhas, como um exército de escravos do serviço e cozinheiros.    O equipamento da mesa se completava com utensílios diversos: taças, ânforas para água, crateras para os vinhos, vasos diversos para óleos e condimentos.     O luxo era fabulosos e os banquetes se estendiam por várias horas, com vários serviços em inúmeros pratos, absorvidos na medida da gula dos convivas.     A decoração e o equipamento do triclínio era completado pelas diversas mesas, tripés, tocheiros de bronze.     Mas não era apenas no triclínio que os romanos viviam.    A sua sala de receber, o tablinum também era mobiliado com bancos, mesas de bronze em tripé.    Nas paredes, pinturas, afrescos, quadros, tecidos preciosos do Oriente completavam a decoração.    Os pisos eram revestidos de ricos mosaicos.     A casa nobre romana na cidade é o domus, e no campo a villa.     O gosto pelos mosaicos levou os romanos a alcançar a perfeição nessa arte.     Muitos documentos nos chegaram, principalmente, através das escavações em Herculano e Pompéia.     Mas talvez a obra-prima dos pisos em mosaico se encontre na Villa del Casale, perto da Piazza Armerina, na Sicília, onde estão magnificamente conservados.    A arte do mosaico teve grande desenvolvimento na Alta Idade Média, até o século XV, na área compreendida pelo Império Bizantino.

Artes Plásticas - Os estilos do Mobiliário - Por Wladimir Alves de Souza - Parte 10

O móvel é uma decorrência da vida dos povos sedentários.    Pode-se argumentar que, talvez como o caracol leva a casa às costas, as civilizações nômades carregam consigo redes, utensílios, armas e mesmo tendas.    Contudo, a ideia que fazemos do móvel está mais ligada à estabilidade na habitação, à fixação num abrigo determinado.   As redes, as esteiras, trabalhos de tecelagem típicas dos povos primitivos foram evidentemente consumidos pelo tempo.    Mas, nas primeiras civilizações históricas já encontramos testemunhas de utilização e de forma de peças de mobiliário.    Na pintura do Antigo Egito, conservada nos túmulos ( hipogeos ou mastabas ), é frequente a figuração de ofícios ligados às artes industriais, inclusive a marcenaria: cofres, tronos, camas, cadeiras, bancos, apoios para a nuca ( que serviam como travesseiros ) e muitas outras peças.     No túmulo do Faraó Tut-ank-amon, da décima oitava dinastia, descoberto em 1926, absolutamente intacto, foram descobertas peças requintadas riquíssimas, usando materiais preciosos ( cedro do Líbano, ouro, marfim, incrustações de cerâmica, esmalte e pedras duras ).     As culturas da bacia mesopotâmica nos legaram, em ruínas imensas, uma documentação em baixos relevos ou nos pequenos cilindros gravados em pedras duras ou terracota, imagens de tronos, camas, bancos.    As civilizações pré-helênicas ( antes da Grécia histórica ), tanto no continente, como na ilha de Creta, também deixaram, nos vestígios da pintura, a representação de cenas, onde se vê o interior e o mobiliário dos palácios.    Isso entre 1600 a 1400 a.C.    A partir do sétimo século  a.C., época da alta civilização grega, as informações são escassas, mas as descrições encontradas nos textos dos autores a partir dessa época comprovam a existência do leito ( Kliné ) para as refeições, tal como fazem os assírios.    Formado por quatro montantes verticais e quatro travessas horizontais, o Kliné era muitas vezes rico e esculpido, com ornatos inspirados na arquitetura.     Os colchões eram de plumas e os leitos comportavam três pessoas.    Esses leitos eram dispostos em U, com mesas de mármores ou bronze.    Como os romanos adotaram o mesmo modelo, chamaram a sala de refeições de " triclinum ".    As outras peças do mobiliário: cofres, cadeiras, tronos, mesas em tripé, só as conhecemos pela documentação dos baixos-relevos em escultura.  

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Artes plásticas - A Arte do Vitral - Por Wladimir Alves de Souza - Parte 9




Embora o emprego do vidro seja anterior à arquitetura gótica, é nesse período que vão aparecer as grandes obras mestras.    A França é o país do vitral medieval, e a catedral de Chartres talvez seja o conjunto mais completo e numeroso de vitrais que se conhece.    O mais antigo remonta ao século X11, mas a quase totalidade dos outros é do século X111.    São imensas janelas envidraçadas com pequenos pedaços de vidro colorido, montados em chumbo sobre uma estrutura de ferro.    Representam toda uma série de cenas tiradas do Antigo e Novo Testamento, da vida dos santos, mas também do trabalho humano, no campo, nas oficinas, nas cidades.    Tal como a escultura, o vitral na catedral gótica não é simples decoração.    Tem uma função didática e pedagógica, para uma população de fiéis que não sabia ler.   Outras grandes catedrais góticas na frança conservam vitrais admiráveis, pelos quais penetram uma luz mística, como se fosse uma tapeçaria de pedras preciosas incendiadas pelo fulgor do sol.: Amiens, Reims, Bourges, Notre Dame de Paris ( restaurados ), Sainte Chapelle de Paris, para citar apenas alguns exemplares dessa mágica riqueza dos vitrais.   O apogeu dessa arte é o século X111, mas ela se prolonga ainda pelos séculos X1V e XV, quando começa a decair, pela imitação da pintura da Renascença, a partir do século XV1.    Outros exemplos: Após o intermédio do vitral citaremos outros exemplos históricos da arte do vidro.    Na Alemanha, no século XV1 em Nuremberg, desenvolveram-se manufaturas importantes do vidro para uso doméstico, mas talvez seja em Veneza que se encontram os exemplareis mais notáveis, a partir desse século: é o famoso vidro de Murano, que produziu obras-primas de beleza e qualidade, dentre os quais os primeiros espelhos.   Mas no século XV11, Murano será suplantado pelo vidro da Boêmia, polido e facetado.   Aliás, em toda a Europa é uma febre de pesquisa e competição.    Os franceses vão fundar a fábrica de espelhos Saint-Gobain, em 1693.    A galeria de espelhos do palácio de Versailles constituiu na época um grande acontecimento.    Os ingleses introduziram muito mais tarde modificações na fabricação, sempre até então baseada no processo do " sopro ".    Fez-se então o vidro  "moldado" e o "plano", passível de ser lapidado, gravado, ou espelhado.    É o que se denomina usualmente "cristal" artificial, e que reflete as imagens sem deformação.

Artes Plásticas - Vidro - Por Wladimir Alves de Souza - parte 8

A fabricação do vidro, tal como da cerâmica, foi conhecida desde a alta antiguidade.    Atribui-se aos fenícios, mas já os egípcios o conheciam e conseguiram produzir verdadeiras obras-primas, não apenas vidros brancos, mas vidros coloridos e com reflexos metálicos.    Foi encontrada no hipogeo ( sepultura enterrada ) de Beni-Hassan uma pintura interessando um vidreiro, soprando vidro com a mesma técnica usada até hoje.    O vidro é uma matéria composta de areias especias, combinadas com potassa ou soda em fusão à temperatura superior a 1.000 graus centígrados.    Pode-se garantir que era conhecido desde antes de 1400 a.C..    Chegaram até nós inúmeros objetos feitos nessa matéria pelos egípcios.    Se os gregos não se destacaram muito na arte do vidreiro, os romanos lhe deram o maior desenvolvimento.    Dentre a imensa produção que deixaram, citaremos o famoso vaso Portland, com figuras brancas em relevo sobre o fundo azul, e que remonta ao segundo século de nossa era.    Em Bizâncio, o vidro também teve largo emprego.   Busca-se o colorido das pedras preciosas e, tal como em Roma, foi usado como elemento de guarnição para janelas.    Os árabes foram hábeis vidreiros.    São dignas de nota as belas lâmpadas rituais de vidro suspensas no interior das mesquitas.    Na Idade Média, o mesmo uso é comprovado desde o V11 século.   O gosto pelo vidro, nesse período da História, vai levar os arquitetos a empregá-lo sob a forma do " Vitral ".

Artes plásticas - A Porcelana - Por wladimir Alves de Souza - Parte 7

A partir do sèculo XV1, quando se intensificou o comércio da Europa com o Oriente, a porcelana chinesa vai tomar o lugar das fábricas europeias de cerâmica.    A beleza da porcelana, a sua dureza e resistência maior vão marcar a decadência das faianças do continente.    Durante muito tempo procurou-se imitar a porcelana, usando terras e misturas diversas.    Na frança criou-se uma imitação da porcelana: a " pasta tenra " e as decorações procuravam reproduzir os temas orientais.   Mas foi apenas em 1709 que o alemão Bottger conseguiu encontrar, em Saxe, jazidas de caolin, a matéria-prima básica da verdadeira porcelana.   O segredo, guardado zelosamente, transpirou e espalhou-se logo por toda a Europa.    Deve-se dizer que a porcelana exportada pelos chineses já era da época decadente.    Ainda sim, os europeus encomendavam , através da Companhia das Índias orientais, grandes serviços de mesa e peças de decoração como vasos, figuras, animais fantásticos ( dragões ).    Os serviços voltavam trazendo o brazão de armas do proprietário.    Portugal recebeu muitos serviços de porcelana da China por esse caminho.   Por essa razão são muito valiosas as peças chamadas " Companhia das Índias ", tanto em Portugal como no Brasil.    Por sua vez os chineses começaram a utilizar formas e decorações europeias nos seus produtos, o que contribuiu para abastardar uma arte já decadente.   É a época do que se chamou família verde ou família rosa, às peças da dinastia T'sing em que predominam essas cores.   Na Europa, a porcelana tomou, desde então grande impulso pelas fábricas alemãs: Saxe ( em Meissèn ), Dresden, Ludwigsburg, Berlim, austríacas, Viena, França: Sèvres.    A Itália, a Espanha e Portugal procuram seguir a moda.    Os problemas da coberta, isto é, do verniz aplicado sobre o biscoito, ou seja, a peça acabada em branco, bem como das cores, do ouro, da temperatura dos fornos, foi longamente estudado e aperfeiçoado.    Não apenas serviços de mesa, mas objetos de decoração, como jarrões, potiches, relógios, tinteiros, figuras representando personagens do teatro italiano, toda uma produção variada, tudo isso desfrutou, a partir dai, da maior moda.   A porcelana acompanha, aliás, a evolução dos estilos da arquitetura e do mobiliário e hoje ainda é usada correntemente, tanto se continua a reproduzir os modelos do passado, como os artistas modernos buscam formas novas, simples, puras, despojadas de decoração.