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domingo, 21 de agosto de 2016
" Os Subterrâneos - Jack Kerouac " - Parte 6
Jack Kerouac fez com a nossa prosa imaculada algo de que ela talvez jamais venha a se recuperar. Apaixonado pela linguagem, ele sabe usá-la. Virtuose inato que é, sente prazer em desafiar as leis e convenções da expressão literária que truncam uma comunicação verdadeira e livre entre leitor e autor. Como ele próprio afirmou com tanta felicidade em " The Essentials of Spontaneous Prose " - " Primeiro satisfaça a si próprio, que o leitor não terá como não receber um choque telepático e a excitação do significado por obra das mesmas leis que atuam em seu próprio cérebro humano ". Sua integridade é tal que ele consegue , às vezes parecer estar indo contra seus próprios princípios. ( Câncer! Ora! Que diferença faz, desde que se tenha saúde! ). Sua cultura, que está longe de ser superficial, ele deixa aparecer como se fosse coisa irrelevante. Isso tem importância ( pergunta ). Nada tem importância. Tudo é igualmente importante ou sem importância, de um ponto de vista verdadeiramente criativo. Mas ele nunca é frio. É quente, em brasa. E por mais que desbunde e viaje, está sempre perto, sempre amigo, irmão de sangue, alter ego. Ele está em toda parte, vestido de Todomundo. Observador e observado. " Um santo prosador, meigo e inteligente ", diz Allen Ginsberg a seu respeito. Dizemos que o poeta, ou gênio, está sempre à frente de seu tempo. É verdade, mas só porque ele vive tão completamente o seu tempo, " Pra frente! ", ele insiste. " Já vimos isso tudo um bilhão de vezes antes ". (" Avançar sempre ! ", já dizia Rimbaud. ) Mas os retrógrados não entram nessa, ( Até hoje ainda não chegaram a Isidore Ducasse ). E aí o que eles fazem (pergunta). Derrubam-no de seu galho, e o matam de fome, e lhe quebram os dentes a pontapés e o obrigam a engoli-los à força. Às vezes são menos misericordiosos - fingem que ele não existe. Em tudo que Kerouac escreve - aqueles personagens estranhos, que estão sempre em toda a parte, cujos nomes podem ser lidos de trás para a frente ou de cabeça para baixo, aqueles lindos, nostálgicos, íntimos e grandiosos panoramas da América, aquelas viagens alucinantes em carros envenenados e vagões de carga abertos - mais a linguagem que ele usa ( à la Gautier em marcha à ré ) para descrever suas " visões terreno-celestiais ", mesmo os leitores de time e Life e Seleções e quadrinhos hão de perceber a relação que há entre essas extravagâncias hipergônicas e flores perenes como o Asno de Ouro, o Satiricon e Pantagruel. O bom poeta - no caso, o " poeta bop espontâneo "- está sempre ligado nos idiomatismos de seu tempo - o balanço, o compasso, o ritmo metafórico disjuntivo que vem tão depressa, tão furioso, tão embolado, tão incrivelmente ainda deliciosamente louco que, quando transportado para o papel, ninguém o reconhece. Ninguém - quer dizer, só os poetas. " Foi ele que inventou " - é o que dizem as pessoas, insinuando que o autor está se exibindo. O que deviam dizer era: " ele captou ". Ele captou, ele sacou, ele colocou. ( Pega você, Nazz! " ). Quando alguém perguntar " Onde é que ele arruma isso (pergunta), responda: " Com você! ". Cara, ele passou a noite toda acordado ouvindo com olhos e ouvidos. Uma noite de mil anos. Ouviu no útero materno, ouviu no berço, ouviu na escola, ouviu no pregão da bolsa de valores da vida, onde se trocam sonhos por ouro. E, vou te contar, ele está de saco cheio de ouvir isso. Ele quer tocar, pra frente. Ele quer se mandar. Mas você deixa ( pergunta ). Vivemos na era dos milagres. Foram-se os dias do sossega-leão, os tarados estão na pior, os ousados trapezistas quebraram as vértebras. Era de maravilhas, quando os cientistas, em cumplicidade com os sumos sacerdotes do Pentágono, ensinam de graça a técnica da destruição mútua, porém total. Progresso, pois sim! Faz disso um romance legível, se conseguir. Mas não me vem reclamar das misturas de vida com literatura se o seu negócio é morte. Nem vem com essa de literatura direitinha e " limpa " - sem lixo radioativo. Que falem os poetas. Eles são beat mas não são os donos da Bomba. Pode crer: não tem nada limpo, nada saudável, nada promissor nessa nossa era de maravilhas - só o cantá-la. E a última palavra provavelmente vai ser dos Kerouac da vida. Big Sur, Califórnia Por: Henry Miller
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