Calendário 2019

Calendário 2019
Calendário 2019

Vou por onde a arte me levar.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Escravidão - Parte 1


Povo marcado - Os anos seguintes à Lei Áurea não foram nada fáceis para os ex-escravos.  Libertos, sem rumo e sem teto, os negros espalhados pelas cidades e fazendas brasileiras não receberam um tostão pelos 350 anos de trabalho forçado. Por Felipe van Deursen -    Vestida em rendas valencianas e sedas peroladas, a princesa regente procurava passagem no meio da multidão de 10 mil pessoas, na tentativa de chegar ao balcão do Paço, no Rio de Janeiro.   Sob uma chuva de flores atiradas por senhoras, conseguiu subir à sacada.  Eram 15 para as 3 da tarde quando entrou na sala do trono e assinou a Lei 3 353 com uma pena de ouro.   Do lado de fora, ao saber que a princesa Isabel havia sancionado a Lei áurea e posto fim à escravidão, o povo explodiu em gritos, vivas, salves.  Festa parecida com a que a ilha de Itaparica , na Bahia: por três dias e três noites, tambores e batuques ecoaram pelas copas das mangueiras.   Mas os relatos de uma velha escrava da ilha contam que, acabada a comemoração, o senhor do engenho reuniu todos os escravos e os mandou embora, um a um.  Os negros partiram dali sem terra, sem comida, sem dinheiro, sem sapatos, vestidos em roupas velhas de algodão grosso.  Naquela dispersão miserável começa a liberdade.  De acordo com os termos da Abolição ( de 13 de maio de 1888), a lei oficializou o princípio  jurídico da igualdade.  " Muitos foram os que saíram dos engenhos e fazendas para buscarem a liberdade na pesca e na mariscagem, outros para seguirem Antônio Conselheiro.   Houve os que se embrenharem nas matas para constituírem os novos quilombos.  Para todos esses rurais, o preço da liberdade era miséria.  Para a grande maioria, no entanto, a impossibilidade de acesso à terra tolhia os sonhos de liberdade ", escreveu o historiador Ubiratan Castro de Araújo, no artigo " Reparação Moral, Responsabilidade Pública e Direito à Igualdade do Cidadão Negro no Brasil ".   O regime escravocrata já estava enfraquecido desde o início do século 19, e a lei significou, na prática, o fim do sistema mercantil que vigorou no país desde a chegada do primeiro navio negreiro, em 1531.  Dos cerca de 10 milhões de negros capturados em diversas regiões da África para serem vendidos como escravos destinados às Américas, aproximadamente 4 milhões desembarcaram na costa brasileira.  Nagôs, jejes, angolas e benguelas foram algumas das principais etnias obrigadas a viver por aqui.   Representam muito do que somos hoje: uma nação que conviveu com três séculos e meio de escravidão e apenas 121 anos de trabalho livre.   A escravidão não é invenção dos portugueses e já existia na África.   Mas o tráfico mercantil, liderado por Portugal e depois pelo Brasil, espalhou a prática em escala sem precedentes no oceano Atlântico.  " Perversidade intrínseca: escravos eram adquiridos pelos traficantes em troca de mercadorias produzidas pela força de trabalho escrava ", escreveu o historiador Jaime Pinsky em A Escravidão no Brasil.  Eram embarcados entre 200 e 600 negros na África, a cada viagem.   Vinham amarrados por correntes e separados por sexo.   Sofriam, além do desconforto físico, falta de água e doenças.   No século 19, dos que vinham de Angola, 10% morriam na travessia, que demorava de 35 a 50 dias.   Assim que chegavam ao Brasil, eles eram postos em quarentena , a fim de evitar mais perdas por doenças.  E, para causarem boa impressão, submetidos à engorda e besuntados em óleo de palma, que escondia feridas e dava vigor à pele.  Faziam exercícios para combater a atrofia muscular e a artrose.  Depois, seguiam para os mercados de negros da cidade, como o Valongo, na Gamboa, região central de Rio de Janeiro.   De cabelos raspados, velhos, jovens, mulheres e crianças eram avaliados pela clientela, que apalpava dentes, membros e troncos.   Um viajante alemão, em viagem à Bahia no século 19, descreveu: "Assim, pelados, sentados, curiosos, os transeuntes, pouco se diferenciavam, aparentemente , dos macacos."   A existência do mercado chegou a se tornar problema de saúde pública, porque os mercadores atiravam cadáveres de africanos em um terreno próximo.  Um Juiz do distrito, em 1815, ordenou aterrar a área e proibiu a prática: " Mande notificar a todos os negociantes que recolherem pretos no Valongo para que nunca mais se atrevam a lançar para ali cadáveres. "   Hoje, resta quase nada desses mercados.  " A urbanização, apoiada pela consciência culposa, destruiu esses vestígios ", afirma a historiadora Katia de Queirós Mattoso no livro Ser Escravo no Brasil.  O mesmo ofício que proibiu covas rasas no pântano do Valongo impôs, como penalidade, multa de 30 mil réis aos armazéns responsáveis, identificados pelas marcas feitas a ferro quente na pele dos escravos.  Segundo documentos do Arquivo Nacional, os negros ganhavam, ainda na África, as iniciais do traficante ; e, ao chegarem aqui, as letras de seus proprietários.   A cada vez que fossem vendidos, seriam novamente marcados.  Dom Manuel, rei de Portugal, foi um dos primeiros a adotar essa prática dolorosa, no início do século 16, com os escravos da coroa.   Também era comum gravar uma cruz no peito dos que eram batizados.  E, em 1741, o governador da capitania do Rio, Gomes Freire de Andrade, determinou que os negros fugitivos, uma vez pegos, fossem marcados com um F e obrigados a usar um cordão de estacas.   De modo que, se escapassem uma segunda vez, teriam como castigo adicional uma orelha cortada.  As marcas e mutilações só seriam extintas como Código Criminal do Império, em 1842.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá querido (a) leitor, seu comentário é muito importante. Este espaço é seu. Lembre-se: Liberdade de expressão não é ofender. Vamos trocar ideias, as vezes podemos não concordar, é natural; afinal tudo depende da visão de cada um; mas respeitar é fundamental, isso é uma atitude inteligente. O que vale mesmo é a troca de informação e com educação. Por favor: Leia antes de fazer seu comentário, os comentários do blog são moderados, só publique comentários relacionados ao conteúdo do artigo, comentários anônimos não serão publicados, não coloque links de artigos de seu blog nos comentários, os comentários não refletem a opinião do autor. Espero que goste do blog, opine, comente, se expresse! Vale lembrar que a falta de educação não é aceito.