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terça-feira, 3 de outubro de 2017

Hitler por ele mesmo - parte 4


A vida de Hitler não merecia ser descrita ou interpretada, não fossem as tendências e circunstâncias que dela assomam, transcendendo a pessoa, e caso sua biografia não constituísse, também, o fragmento da biografia da época.   E, por assim ser, a sua apresentação triunfa sobre quaisquer objeções que contra ela se levantem.  Hitler se desdobra diante de um espesso padrão de fatores objetivos que nele se imprimiram, que o favoreceram, que o impeliram para diante e, de tempos em tempos, também o detiveram.   Para isso tanto contribui a romântica intuição política alemã como o "cinza" particularmente triste da República de Weimar; o rebaixamento nacional pelo Tratado de Versalhes e o rebaixamento social de camadas mais amplas da população, em razão, ao mesmo tempo, da inflação e da crise da economia mundial; a fraqueza da tradição democrática na Alemanha; os sobressaltos causados pela ameaça de revolução comunista, os transes da guerra, os cálculos falhos de um conservantismo que se tornara precário e, finalmente, as angústias que se difundiram pela transição de uma ordem em que se confiava para uma outra, ainda que incerta.  Tudo isso, acrescido ainda do desejo de encontrar soluções simples para opor às causas de descontentamento, frequentemente impenetráveis e confusas, e para pôr-se a salvo de todos os agravos de uma época sob a proteção de uma autoridade dominante.  Como o ponto de convergência de tantos anseios, angustias e ressentimentos, Hitler tornou-se uma figura histórica.  O que aconteceu não se poderia conceber sem ele.  Não foram as características demoníacas, mas as qualidades exemplares, por assim dizer, "normais", que possibilitaram, antes de tudo, a sua carreira.  O exame de sua vida irá mostrar como todas as teorias que apresentam Hitler como uma antítese fundamental da época em que viveu, e de seus coetâneos, são problemáticas e determinadas por desconfianças ideológicas.  É verdade, certamente, que , mesmo sem a sua intervenção, um movimento popular nacionalista teria encontrado eco e adesões no curso da década de 1920.  Mas, presumivelmente, esse movimento teria sido, apenas, um grupo político mais ou menos digno de nota, dentro do contexto do sistema.  A contribuição de Hitler foi aquela mistura inconfundível de fantástico e lógico que, como se verá, exprime em alto grau a sua maneira de ser.  O radicalismo de Gregor Strasser ou de Joseph Goebbels consistia apenas no desafio das regras do jogo em vigor que, no entanto, reafirmavam a sua continuidade quando desafiadas.  O radicalismo de Hitler ao contrário, punha fora de jogo todas as condições existentes para apresentar um elemento novo e inaudito.  As inúmeras misérias e o descontentamento da época teriam de qualquer forma, levado a crises; mas, sem a pessoa de Hitler, nunca se teria chegado àquele auge, àquelas explosões de que seríamos testemunhas.  Desde a primeira crise do partido, no verão de 1921, até os últimos dias de abril de 1945, quando expulsou Goring e Himmler, a sua posição permaneceu incontestada; ele não suportava nem mesmo, acima de si próprio, a autoridade de uma ideia.  E com extrema arbitrariedade fez, novamente, a História, de um modo que já para o seu tempo pareceu anacrônico e jamais se repetirá: um encadeamento de ideias subjetivas, com surpreendentes golpes e reviravoltas, espantosas traições, abnegações ideológicas, mas comportando sempre, no background, uma única imagem, tenazmente perseguida.   Algo de seu caráter singular, do elemento subjetivo que ele impôs ao curso da História, expressa-se na fórmula " fascismo de Hitler ", divulgada pela teoria marxista até na década de 1930; nesse sentido, não foi sem razão que se definiu nazismo como hitlerismo.   Num discurso secreto, pronunciado em princípios do verão de 1939, declarou: " Não é possível tomar como princípio esquivar-se à solução dos problemas pela acomodação às circunstâncias.  Pelo contrário, as circunstâncias é que se devem acomodar às exigências ".  De acordo com esse lema, ele, o " visionário ", reviveu uma vez mais a imagem do grande homem, uma tentativa aventurosa levada aos últimos limites e, finalmente, malograda.   Parece que essa possibilidade, como tantas outras, morreu com ele: " Nem em Pequim, nem em Moscou, nem em Washington, poderá surgir de novo alguém como ele, que transformou o mundo de acordo com sonhos confusos... Aquele que ficar sozinho no alto não mais terá campo para decisão.  Terá de as moderar e trabalhar conforme planos preestabelecidos.  Pode-se presumir que Hitler foi o último executor da grande política dos moldes clássicos. ... Não é desinteressante imaginar qual teria sido o destino  de Hitler se a História lhe houvesse negado as circunstâncias que o despertaram e fizeram dele o porta-voz de milhões de complexos de resistência e de revolta: uma existência ignorada, vivida aqui e ali à margem da sociedade, amarga e cheia de misantropia, a ansiar por um grande destino, amaldiçoando a vida porque esta lhe havia recusado o papel de herói a dominar o mundo.  " Mais deprimente do que tudo era a total  falta de consideração que me votavam na maioria das vezes ", escreveu Hitler a propósito dos seus primeiros tempos de político.  A derrocada do sistema, a angústia reinante na época e a disposição para a mudança deram-lhe a oportunidade de sair da sombra do anonimato.  A grandeza, disse Jakob Burckhardt, é uma necessidade das épocas terríveis.  O fenômeno Hitler mostra-nos em medida que ultrapassa toda experiência, que a grandeza também pode acompanhar a mediocridade individual.  No decurso de períodos consideráveis, sua personalidade age como que diluída, volatizada no irreal, e não foi senão aquele caráter, por assim dizer, fictício, que levou tantos políticos conservadores e historiadores marxistas, unidos num singular acordo, a vê-lo como instrumento de interesses estrangeiros.  Longe de toda a grandeza e de ocupar uma posição de importância em todo o plano político e histórico, parecia ele o tipo ideal para encarnar o " agente ".  Mas tantos uns como outros se enganaram.  Era parte, precisamente , da tática de sucesso de Hitler usar desse falso juízo, que refletia e reflete um ressentimento de classe contra o pequeno burguês, para fazer política.  Sua biografia, é também a história de uma desilusão progressiva e geral.  Se em fins de 1938 Hitler tivesse sido vitimado por um acidente, poucos hesitariam em considerá-lo um dos grandes estadistas alemães, talvez o que tivesse completado a história daquele país.  Os discursos agressivos e Mein Kampf, o anti-semitismo e a concepção de hegemonia mundial teriam, presumivelmente, como fantasias dos seus primeiros anos de político, e só por casualidade teriam surgido aos olhos de seus críticos como defesa de uma nação indignada.  Seis anos e meio separaram Hitler dessa glória.  Certamente, apenas mediante um fim violento a teria conseguido.  Por natureza, estava ligado à destruição, e dela não conseguiu livrar nem a própria pessoa.  Podemos chamá-lo de grande (pergunta).  (Fonte: Hitler, Joachim C. Fest, Editora Nova Fronteira, Rio de janeiro, 1976.  Este livro é um dos mais completos estudos sobre Hitler..  A obra contém mais de 1.000 páginas e constitui leitura obrigatória.)

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