Os sacerdotes não-cristãos, os druidas, os feiticeiros e as bruxas se valiam de conhecimentos naturais secretos. Sua arte mágica se baseava num saber vindo dos primórdios xamanistas e transmitido de geração a geração, sobre o acesso e uso de uma energia psicomental oculta na natureza. Para o bom cristão, no entanto, a natureza nada significa; representa, no máximo, um campo livre para a atuação de potências diabólicas. Para o verdadeiro cristão, a vida terrena é apenas um estágio provisório. Seu objetivo é a vida eterna no reino dos céus. A natureza florescente e estuante de vida é para ele uma área cheia de riscos, onde Monsenhor, o Príncipe dos Infernos, trama suas maldades, sempre preparando armadilhas que levem os homens a sucumbir à tentação carnal. Como contrafeitiço, para assegurar a vida eterna no paraíso celeste, e para resistir às tentações mundanas, o cristão recorria ao ascetismo. Já no início do século quatro surgiram os primeiros conventos cristãos com disciplina monacal. Também o ascetismo produz forças mágicas. Afina, jejum, castigo físico, abstinência sexual e renúncia aos instintos já faziam parte do ritual de iniciação dos curandeiros. O ascetismo possibilita aparições visionárias, e, ocasionalmente, até milagres. Mas isto é permitido. Pois a força mágica sentida pelo cristão convicto é um eflúvio da graça divina, e o milagre, uma prova da onipotência de Deus. No entanto, o efeito do milagre se produz por procuração. Em princípio, também os curandeiros e magos podem alegar que operam com entidades e energias de origem divina. Para os escolásticos, os filósofos que ensinavam nos conventos do início da Idade Média, Deus e o reino dos céus pertencem a uma dimensão transcendente. Ou seja, uma dimensão acima da experiência humana. Até onde os milagres de santos e as curas milagrosas em locais de peregrinação, ou diante de imagens miraculosas, passam por eflúvio da magia celeste, pode-se dizer que é de certa forma uma magia transcendente, ao contrário da magia tradicional, que parte do princípio de que existe na natureza um reservatório de energia mental, e portanto pode ser considerada uma magia imanente à natureza. Porém, lamentavelmente, esta passa a ser encarada como arte infernal e recebe a denominação de magia negra. Nos países celta-germânicos, o processo de cristianização no consciente coletivo do povo se processa de tal maneira que durante algum tempo padrões de conceitos cristãos convivem em paralelo com os padrões arquetípicos da religião pagã e com a mitologia enraizada no povo. Aos poucos eles se sobrepõem, e por fim acabam se fundindo. Isto vale também para as sagas e contos de fadas, que Jung denomina sonhos dos povos. O exemplo mais impressionante, e talvez o mais belo de todos, é o mito do Santo Graal, e as lendas correlatas sobre o Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda. A procura do Santo Graal equivale à busca dos jovens heróis, a viagem aventurosa indispensável a qualquer verdadeiro cavaleiro. Porém o Castelo do Graal, erguido no alto de um maçiço de montanhas escarpadas, centro de um imaterial reino espiritual, não se mostra a qualquer um. Para mentes mesquinhas e impuras, diz a Lenda, o castelo permanece oculto nas alturas inacessíveis da luz do sol celeste. Só o feliz e mágico herói que o conquista gloriosamente consegue vê-lo. O Graal, um recipiente talhado numa descomunal esmeralda, é uma espécie de repositório de energia mágica concentrada. Quem o possui, torna-se rei do Graal, e com isto rei do mundo. O Graal é um dispensador de sabedoria. Permite a seu dono ver os mais profundos e recônditos segredos. Desvenda-lhe o mistério da energia solar. No entanto, o Graal não oferece apenas uma poção de sabedoria. Ele contém também a água da vida, curativa e rejuvenescedor. Além disto, o Graal ainda providencia alimentos e bebidas profanas para os moradores e hóspedes do castelo do Graal. Em resumo, o Graal vinha a ser um recipiente universal, no qual se concentravam toda espécie de poderes mágicos. A influência cristã no mito do Graal é evidente na figura de José de Arimatéia. Consta que, por ocasião da crucificação de Cristo, ele aparou com o Graal o sangue que corria do flanco ferido, e guardou cuidadosamente a sagrada relíquia. Depois, ele ou os seus descendentes levaram este tesouro único para o castelo do legendário rei pescador, de cuja estirpe descendem os reis do Graal. Na versão de autores franceses, o castelo do Graal ficava na França, ou no lado espanhol dos Pireneus. Na versão inglesa, ficaria na Grã-Bretanha, onde teria residido igualmente o Rei Arthur com seus cavaleiros da Távola Redonda, segundo se diz, em Glastonbury. Sob o ponto de vista, o mistério do Graal se desvenda como uma central de força psíquica, representada pelo sangue do filho de Deus. No ciclo das lendas do Graal e do Rei Arthur, a figura do Mago Merlim simboliza o reconhecimento da natureza como sede de forças mágicas ocultas, e fonte de conhecimentos secretos. Sob o aspecto psicológico, Merlim é a arquetípica figura simbólica do velho sábio. Como figura mitológica dos tempos celta-germânicos e pré-cristãos, ele nos aparece como uma espécie de Lúcifer pagão. Mas conforme este é descrito na versão primordial do Gênesis, no Antigo Testamento, como filho de Lavé, e portador de luz. No mito do Graal, Merlim não aparece como Príncipe das Trevas, nem como espírito infernal, mas representando o espírito da natureza como um poder positivo. A lenda do Graal termina com o desaparecimento de Merlim do mundo. Ele segue Parsival, elevado a rei do Graal, em seu retiro, e passa a viver nas eternas florestas; os tempos ainda não estavam maduros para uma conscientização como a que ele representava simbolicamente. Mas ele retornou a pouco, em trajes modernos e como uma figura central de um conto de fadas da atualidade. Em 1080, o Papa Gregório V11 (sétimo) proibiu expressamente a tortura, a execução de bruxas, numa bula dirigida ao rei dinamarquês Harald. O povo continuou a cultivar os antigos costumes populares e rituais de culto pagã.
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