Os processos contra as bruxas têm sido tão discutidos que é desnecessário repisar o assunto. No entanto, parece-me importante chamar a atenção para um detalhe. A obsessão contra as bruxas não é de forma alguma fenômeno restrito à Idade Média, a chamada Idade das Trevas, que afinal não foi tão sombria assim. O famigerado Martelo das Bruxas, do dominicano Jacó Sprenger, que teve inúmeras edições e desencadeou em larga escala a caça às bruxas, só apareceu em 1487. No prefácio, Sprenger e seu co-autor Heinrich Institoris se reportam à bula contra as bruxas do Papa Inocêncio oitavo, redigida em 1484, como base jurídica para a perseguição às bruxas. Em seu livro, cujo título em latim é Maleus Maleficarum, os autores forneciam indicações exatas sobre as características externas que identificavam bruxas e feiticeiros, sobre os métodos de tortura a serem aplicados para extorquir confissões e sobre o esquema da condução do processo. E desta forma o funesto livro se tornou o manual-padrão nos abomináveis processos contra as bruxas. Na Idade Nova, como os historiadores chamam, ( Idade Média, durante a renascença ), a época do renascimento da antiga sensação de vida, da filosofia natural grega e dos ideais de beleza clássica na arte onde também ocorreu à perseguição as bruxas. Por outro lado, é o século da conquista do Império Asteca por Cortes - após a descoberta da América, em 1492 - e da conquista da terra do ouro, o Peru, por Pizarro. Estas conquistas estão entrelaçadas com o aniquilamento das florescentes culturas primitivas americanas, no que constitui provavelmente até hoje o mais terrível genocídio jamais praticado. Só no México, o número de vítimas deste programa de extermínio atingiu cerca de dezenove milhões de pessoas - e tudo sob o símbolo da cruz e a pretexto de converter pagãos! É também o século da Cisão religiosa e da fundação da doutrina protestante do cristianismo pelo monge agostiniano Martinho Lutero. Acaba a veneração a Maria e a santos, elimina-se do culto divino o mistério da santa missa. A comunhão deixa de ser o milagre diário da unificação mística com o corpo e o sangue de Cristo. É rebaixada a um simples ato simbólico e evocativo. O que Lutero apregoa é uma religião racional, que se baseia na anima rationalis ( a alma racional ). No entanto, sob o signo da anima rationalis, o pensamento ocidental passa por uma inflação do consciente. Só agora tanto o consciente individual quanto o coletivo se sentem aprisionados como nunca antes pela pessoa de Satã, e pelo mal nele incorporado. Os livros mágicos de Seth, Abraão, Moisés e do Rei Salomão completam a lista, que é arredondada por toda espécie de livros mágicos, miraculosos e sibilinos. Os autores destes livros, quase sempre anônimos, eram cautelosos. Frisavam sempre o caráter de obra ilustrativa e deixavam claro que as chaves mágicas, fórmulas encantatórias e esconjuros nelas citados eram recursos no sentido teúrgico, isto é, da magia celeste ou branca, que visava quebrar o poder do Príncipe dos Infernos e resguardar o leitor de seus espíritos diabólicos. Mas para as mulheres sob suspeita de bruxaria, os tempos eram difíceis. A caça as bruxas assumiu dimensões de um extermínio suicida da população feminina. Peculiarmente, a obsessão era mais forte nos países nórdicos da Europa e nos que professavam o protestantismo. A prisão e a tortura arrancavam então confissões de mulheres em sua maioria completamente inocentes. Como última bruxa a morrer na fogueira, foi executada em 1782, Suíça, onde predominava a religião protestante reformada, a serva Ana Goeldi. O Imperador austríaco José segundo, que era também imperador do Sacro Império Romano Germânico, já tinha proclamado a liberdade de crença. A tortura estava abolida; exatamente um ano antes o filósofo de Koenigsberg, Immanuel Kant, havia publicado sua Crítica da Razão Pura. Este livro continua sendo uma das mais importantes obras filosóficas. Kant analisa nela os conceitos metafísicos - Deus, alma, imortalidade - e mostra como é fácil para a razão induzir um erro. Só o pensamento não conduz à verdadeira percepção. Isto só se torna possível com a experiência, isto é, a pesquisa da natureza, aliada à razão. Portanto, no início sempre deve estar o esforço pelo auto conhecimento e a auto crítica. Lúcifer e o mal a ele atribuído foram combatidos sob o signo da razão. O modo racional de pensar levou a uma inflação do consciente. Com isto os canais para o inconsciente foram soterrados. Porém, no sentido de um equilíbrio compensatório , o mal assumiu vida intensa no inconsciente e abriu caminho sob a forma explosiva de uma obsessão coletiva. Na caça às bruxas, com sua suicida extinção de parte da população feminina da Europa, podemos ver igualmente uma tendência de conciliação e auto-punição como compensação pelo terrível genocídio praticado contra incas, maias e astecas e pelas barbaridades deliberadamente feitas no Novo mundo. Como também uma resposta do inconsciente pelo banimento do aspecto mágico-místico, e do mistério da missa, na religião. Pois sem a crença em mistérios e num mundo mágico a alma adoece. C.G.Jung, em seu estudo da Lenda de Lúcifer em relação com o dogma da Santíssima Trindade, ele conclui: " Pois muito do que se revela em seus efeitos como profundamente mau, não provém de modo algum de uma maldade correspondente do homem, mas sim de ignorância e inconsciência. ".
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